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MMA: A autoridade do octógono

Wagner Teodoro
| Tempo de leitura: 8 min

Dentro do octógono é ele a autoridade, a decisão final é dele. E também a responsabilidade pela integridade dos lutadores. Mario Yamasaki convive com a pressão e com o status de árbitro de Mixed Martial Arts (MMA) no Ultimate Fighting Championship (UFC), o maior campeonato do mundo na modalidade, desde 1999, quando estreou no UFC 20 e a cada nova edição da competição pode acompanhar de muito perto campeões e desafiantes, ou postulantes a títulos futuros se digladiando pela glória, fama e dinheiro. De uma família ligada às artes marciais – o pai e o tio já eram árbitros – Yamasaki seguiu o mesmo caminho, praticou jiu-jítsu, montou academia nos Estados Unidos no final da década de 1980, mas quando entrou octógono foi para arbitrar e não para lutar. Yamasaki esteve em Bauru, ontem, para acertar a realização da Batalha das Artes Marciais (BAM), evento de MMA que ocorre no ginásio Panela de Pressão no dia 8 de dezembro e que contará com presenças ilustres, entre elas do árbitro do UFC “Big” John McCarthy. Em conversa com o Jornal da Cidade, Yamasaki falou sobre o BAM e também sobre MMA, UFC, arbitragem e polêmicas que envolvem a modalidade. Confira, a seguir, os principais trechos da entrevista.

 

Jornal da Cidade – Como surgiu o UFC em sua vida?

Yamasaki – Meu pai (Shigueru Yamasaki) arbitrava lutas e foi para as Olimpíadas no judô. Ele e meu tio (Shigueto) eram os únicos árbitros que podiam ministrar cursos de arbitragem no Brasil. Quando eu era moleque, ele (pai) levava meu irmão (Fernando) e eu para cometermos faltas e fazermos coisas que não podiam ocorrer no tatame para ele ensinar nos cursos. De tanto curso que fui, aprendi sobre mecânica de movimentos, onde me posicionar. Também sempre tive que arbitrar no judô, jiu-jítsu e no vale tudo de antigamente. Quando eu montei academia nos Estados Unidos (1989), meu irmão trabalhava em uma academia em São Paulo e queriam trazer atletas do UFC para cá. Eu consegui o contato do Dan Severn (ex-campeão do UFC) e trouxe cinco atletas do UFC, em 1997. Em 98, a gente trouxe o UFC mesmo, no estádio da Portuguesa (Canindé), e foi onde eu conheci o John McCarthy. Perguntei porque ele era o único árbitro do UFC. E se ele ficasse doente? Ele me respondeu que estavam procurando alguém para ajudá-lo. Eu me ofereci, já fui direto no UFC 20 e nunca mais parei.


JC – São 13 anos de UFC. Quais são os lutadores que mais lhe impressionaram neste período?

Yamasaki – Gosto muito do Randy Couture. Ele foi o que mais me impressionou em termos de pessoa, caráter e casca grossa. Atleta completo, acho que foi ele. Vi o (George) Saint Pierre (atual campeão dos meio-médios do UFC) começar. Quando ele perdeu para o Matt Hughes (UFC 50), eu me lembro até hoje que estávamos no mesmo corredor no hotel e ele sozinho, meio cabisbaixo. Eu estava passando e falei para ele: ‘isso é um aprendizado, achei que você iria ganhar, estava dominando e acabou deixando o braço para ele pegar. Mas isso você tem que usar como aprendizado, você vai ser um grande talento’. E está aí, hoje, é um dos melhores lutadores do mundo, um cara que me impressiona. Mas são vários: José Aldo, Júnior dos Santos (Cigano), Anderson Silva, o Minotauro, que é o Ronaldo do MMA. Tantas cirurgias e desgraças que aconteceram na vida dele e o homem continua lutando como campeão.


JC – Você citou que o Randy Couture também é uma pessoa que se destaca fora do octógono pelo caráter. E o outro lado, tem muita vaidade, lutadores que se acham estrelas no sentido negativo da palavra?

Yamasaki – Já teve mais. Hoje, o MMA chegou a um patamar que as pessoas são acessíveis. No MMA, a gente está perto do público. Tem uns que, hoje, já não podem nem sair à rua, como o Anderson Silva. Se sair já vira multidão e bagunça. A maioria dos lutadores é gente finíssima, mas o ser humano tem os bons e os maus. Mas é normal.


JC – Nestes 13 anos em que você arbitra no UFC, o MMA cresceu demais, virou uma febre e o UFC é uma marca conhecida mundialmente. O que mudou do seu início para cá em termos de estrutura e apelo do UFC?

Yamasaki – Para se ter uma ideia, eu saí daqui do Brasil e era vale tudo ainda. A gente era tratado como marginal, porque alguns brigavam na rua. Eu, como vim do judô, tinha disciplina diferente. Tínhamos fama de briguentos. Mas não é que a gente era briguento, a gente tinha que provar que nossa arte era melhor. Por isso as disputas, desafios. Quando foi para os Estados Unidos, ela (arte marcial) evoluiu. De vale tudo virou MMA e teve que se moldar. As lutas, antes, duravam uma hora, três horas e ninguém aguenta ficar assistindo uma luta assim. O que os Estados Unidos fizeram foi dar uma nova cara para o vale tudo. Hoje, a gente vê atletas de ponta, que podem até ir para as Olimpíadas. De quando eu saí do Brasil para hoje, a mudança é de 500 mil por cento. Os eventos eram mal organizados e, hoje, o UFC já veio para cá e o parâmetro é o UFC. Os eventos estão mudando para melhor.


JC – Recentemente, você declarou que o Brasil precisava normatizar as lutas e comentou que havia um atraso aqui neste aspecto. Houve alguma mudança desde então?

Yamasaki – Houve bastante mudança. Como o MMA saiu do jiu-jítsu e o jiu-jístu tinha muito protecionismo em termos de atletas, parentes, tinha muita sacanagem na arbitragem. Foi isso que eu sempre discuti e briguei. O árbitro tem que ser correto, honesto, não importa se é seu irmão, seu primo que está lutando. Que vença o melhor e temos que ser neutros. É o que defendo até hoje, para o brasileiro mudar esta atitude.


JC – A função de árbitro tem uma responsabilidade muito grande, tem que tomar decisões em frações de segundo. Em um evento do porte de um UFC, que é visto pelo mundo, como é ter esta responsabilidade até de preservar o atleta?

Yamasaki – A coisa mais importante é preservar a integridade do atleta. Às vezes, o atleta se machuca, até quebra um braço, e quer continuar lutando. A gente não pode deixar, tem que zelar pelo futuro do atleta. Mas é difícil a pressão. No UFC, já fui a estádio com 22, 23 mil pessoas gritando e dá um friozinho na barriga. Eu me concentro, antes da luta, no sábado, não saio do hotel, como leve e me preparo para quando estiver na luta estar com a cabeça boa para não errar e não danificar o recorde de algum lutador.


JC – Há algum tempo, você arbitrou uma luta entre o Erick Silva e Carlo Prater, no UFC 142, que levantou polêmica. Muita gente criticou sua decisão de dar vitória para o Prater, com a desclassificação de Silva, que havia nocauteado o oponente, por golpes ilegais. Hoje, analisando aquela decisão, qual sua opinião?

Yamasaki – Se for ler a regra à risca, eu acertei. Dos nove socos (que Silva deu em Prater no nocaute), pelo menos cinco foram na nuca, gritei três vezes para ele em inglês alertando. Na regra diz que, se ele continua fazendo, eu tenho que desclassificar se o outro atleta não conseguir voltar. O que acho que errei foi que a pressão estava tão grande, o Bruce Buffer (locutor oficial) querendo que eu o levasse para o meio para levantar o braço dele e falei que talvez iria desclassificar. Eu falei talvez, estava vendo o que iria fazer. E já começaram a soltar no microfone ‘desclassificação, desclassificação’. Ali, eu não poderia mais voltar atrás. Mas eu devia ter dado ‘no contest’ (sem vencedor). O Erick bateu na cabeça, mas não foi propositadamente. Eu tinha que entender isso, mas como foram cinco socos na nuca e mais de dois já é penalização... Eles reclamaram e o UFC continuou com a minha decisão. Eu posso argumentar. Mas o ser humano não é máquina. Acho que fui um pouco duro, mas foi pela pressão e rapidez que tive que decidir. Não que eu quisesse prejudicar o Erick.


JC – Existe uma polêmica sobre o golpe “tiro de meta” (chute na cabeça do adversário quando este está no chão). Alguns lutadores defendem e outros condenam. Qual sua opinião?

Yamasaki – Eu não gostaria de ver o tiro de meta voltar, como se fazia no Pride (evento de MMA que era realizado no Japão). Pode quebrar o pescoço de uma pessoa e, como temos que zelar pela integridade do atleta, acho difícil colocarem esta regra. Na regra, você pode tirar, não colocar. Tem muito evento que eu vou no Brasil e não deixo usar o cotovelo. O brasileiro, como não usa muito o cotovelo, quando sai do País, acaba não usando o cotovelo e perdendo um pouco do que poderia danificar o atleta e levando cotovelada.


JC – É o caso do Jon Jones (campeão dos meio-pesados do UFC), que usa muito os cotovelos.

Yamasaki – A cotovelada tem uma regra só: não pode do Norte para o Sul (de cima para baixo). Enquanto está em arco, pode de qualquer jeito. O Jon Jones tem dois braços em cada braço. Só o cotovelo já é onde alcança o meu braço (risos). É muito difícil lutar com ele (Jones tem 1,93m e envergadura de 2,15m).


JC – O que traz você a Bauru?

Yamasaki – Estamos lançando o BAM, que é uma nova produção de MMA. É a Batalha das Artes Marciais, já que evoluiu e tem que usar todas as artes, é uma batalha bem legal. Vamos trazer o John McCarthy para arbitrar e é uma excelente oportunidade para Bauru. O John McCarthy é um dos primeiros árbitros do UFC, continua arbitrando, é meu mentor. Vamos trazer também dois atletas que disputaram o TUF (The Ultimate Fighter), o Leonardo Macarrão e o Charles Maicon. As lutas vão ser boas. É excelente para o público.

 

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