José Milagre

Por que o assunto da semana é fake news?

Lei Brasileira de Liberdade, Responsabilidade e Transparência na Internet - Julgamentos das cortes superiores e possíveis votações de projetos críticos trazem novos contornos nos entendimentos envolvendo combate a fake news, identificação de usuários, remoção de conteúdos e bloqueio das atividades de aplicativos ou responsabilização dos provedores. Saiba o que muda e como isso influencia no dia a dia dos usuários de Internet

31/05/2020 | Tempo de leitura: 5 min

Entenda o inquérito das fake news

Nos últimos dias, fora noticiada a determinação do ministro Alexandre de Moraes, no STF, que ordenou o bloqueio de contas em redes sociais de 17 pessoas. A determinação faz parte do inquérito do STF que apura a produção de informações falsas e ameaças à Corte, denominado de "inquérito das fake news". Conforme se explicou Moraes, o "bloqueio é necessário para interrupção dos discursos com conteúdo de ódio, subversão da ordem e incentivo à quebra da normalidade institucional e democrática". Esta semana, a Polícia Federal cumpriu 29 mandados de busca e apreensão como parte do inquérito.

O que já foi investigado?

As investigações já concluíram, em março de 2020, que 12 (doze) perfis fazem disseminação de informações de forma padronizada. A exemplo, postam os mesmos conteúdos, nos mesmos horários. Assim, cruzando estas informações, pode-se identificar pessoas e financiadores por trás dos perfis, o que se exige, necessariamente, ordem judicial para que as redes sociais forneçam os registros de acesso a aplicações que detenham, nos termos do Marco Civil da Internet. O que se discute aqui é se o STF tem estes poderes ou não e se houve censura de opinião na Internet.

Mas existe crime de fake news?

Não! Embora existam previsões e projetos legislativos, não existe o tipo "praticar fake news" na legislação penal brasileira. Normalmente, estes crimes podem se enquadrar em contravenções penais ou mesmo difamação, calúnia ou ameaça. No âmbito eleitoral, no entanto, já existe legislação promulgada em 2019. A Lei 13.834, assim estabelece:

Art. 326-A. Dar causa à instauração de investigação policial, de processo judicial, de investigação administrativa, de inquérito civil ou ação de improbidade administrativa, atribuindo a alguém a prática de crime ou ato infracional de que o sabe inocente, com finalidade eleitoral:

Pena - reclusão de 2 (dois) a 8 (oito) anos e multa.

§ 1º A pena é aumentada de sexta parte se o agente se serve do anonimato ou de nome suposto.

§ 3º Incorrerá nas mesmas penas deste artigo quem, comprovadamente ciente da inocência do denunciado e com finalidade eleitoral, divulga ou propala, por qualquer meio ou forma, o ato ou fato que lhe foi falsamente atribuído. (Incluído pela Lei nº13.834, de 2019)

Assim, quando a fake news se dá com a finalidade eleitoral, já existe legislação, inclusive aplicável às Eleições de 2020. Porém, e quando a fakenews não é eleitoral?

Vem aí Lei Brasileira de Liberdade, Responsabilidade e Transparência na Internet

Ainda, em junho de 2020, será votado o PL 2.630/2020, que provavelmente entrará na pauta da terça-feira (2). A norma prevê três escopos: fortalecer a democracia por meio do combate à informações falsas ou manipuladas; desestimular o uso de contas duvidosas criadas ou usadas para desinformar ou plantar informações enganosas contra alguém. A norma é chamada de Lei Brasileira de Responsabilidade na Internet. No portal do Senado, as opiniões sobre a norma se dividem e já existe muita polêmica. A norma considera como condutas vedadas nas aplicações de Internet: a) contas inautênticas; b) redes de disseminação artificial de desinformações; c) conteúdos patrocinados não rotulados. Os provedores deverão excluir contas que empreguem disseminadores artificiais. Não explica, no entanto, como as redes vão detectar estas atividades. A legislação traz as sanções previstas em seu artigo 28, podendo ser da simples advertência à proibição do exercício das atividades no País, bem como estabelece que os provedores de redes sociais e de mensagens privadas devem nomear mandatários judiciais no Brasil, aos quais serão dirigidos atos processuais decorrentes da aplicação da Lei.

E o bloqueio do WhatsApp?

Paralelamente a esta discussão sobre fake news, corre no País o julgamento sobre o bloqueio do WhatsApp. O julgamento deve decidir se juízes podem pedir o bloqueio de aplicativos de mensagens para fins judiciais. Dois casos parecidos correm pelo STF, sendo uma Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF), do relator Edson Fachin, e uma Ação Direita de Inconstitucionalidade (ADI), com a ministra Rosa Weber. De forma geral, as decisões amparadas no Marco Civil que determinaram o bloqueio de aplicativos em 2016 serão revistas no STF, que deverá fixar seu entendimento sobre o tema. Lembrando que o a medida de bloqueio está prevista no Marco Civil da Internet, no art. 12, inciso III. Outra discussão é sobre o art. 19 do Marco Civil, que estabelece que com o intuito de assegurar a liberdade de expressão e impedir a censura, o provedor de aplicações de Internet somente poderá ser responsabilizado civilmente por danos decorrentes de conteúdo gerado por terceiros se, após ordem judicial específica, não tomar as providências para, no âmbito e nos limites técnicos do seu serviço e dentro do prazo assinalado, tornar indisponível o conteúdo apontado como infringente, ressalvadas as disposições legais em contrário. Estamos prestes a compreender se estes dispositivos serão considerados constitucionais ou não.

E nos Estados Unidos?

Nos Estados Unidos, o presidente Trump assinou decreto onde questiona as leis de proteção às redes sociais, que evitam que os sites sejam responsabilizados por realizarem a moderação de publicação de usuários. A iniciativa surgiu após o Twitter marcar algumas postagens do presidente como publicações onde os usuários deveriam "checar os fatos". A questão politizou-se, pois Trump entendeu que as redes sociais não podem mais excluir publicações por critérios políticos. Assim, sob o fundamento da liberdade de expressão, assinou a "Executive Order". Embora a executiva não altere a legislação, o fato reascende as discussões para rediscussão da seção 230 da Lei da Decência na Comunicação, que traz um escudo legal para os provedores de aplicações e redes sociais. O decreto ainda prevê a criação de uma ferramenta para que usuários registrem conteúdos que julguem ter sido censurados por viés político nas plataformas.

Além disso, o Brasil também se passa a refletir a imunidade e responsabilidade dos aplicativos e redes sociais em relação a algoritmos que classificam ou omitem postagens, olhando para os Estados Unidos. Um assessor especial da Presidência da República demonstrou simpatia pelo decreto de Donald Trump, que limita a proteção das redes sociais, tendo declarado a possibilidade de um sistema parecido, no Twitter.

Conclusões

Todas as estas ações e fatos estão acontecendo simultaneamente, refletem diretamente em direitos e garantias fundamentais e estão intimamente ligados à liberdade de expressão, responsabilidade civil e outros temas e podem provocar profundas alterações em modelos de negócio na internet e na forma com que nos relacionamos com as aplicações, além de constituírem riscos gravíssimo aos direitos dos cidadãos. Por isso, são debates que devem interessar a todos!

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do SAMPI

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