
A vida do professor e advogado Antonio Carlos da Silva Barros, de 57 anos, é norteada por um mito africano denominado Ubuntu. Nele, uma pessoa de fora aparece em uma comunidade simples com uma cesta recheada de doces. O estrangeiro desafia as crianças a correrem até certo ponto e aquela que chegasse primeiro levaria o prêmio. Porém, ele não esperava que os pequenos dessem as mãos e alcançassem, juntos, as guloseimas, repartindo-as entre si. "Eu luto por um mundo onde caibam todos", diz o entrevistado, que acaba de assumir uma cadeira titular no Conselho Estadual da Comunidade Negra.
Primogênito do cozinheiro aposentado Domingos Antonio de Barros, de 81, bem como da auxiliar de limpeza aposentada Maria de Lourdes da Silva Barros, de 82, Toninho, como é conhecido, possui outros quatro irmãos: Rosângela, André, Ana Lúcia e Marcos.
Casado com a diretora de escola Regina Célia dos Santos Nunes Barros, de 53, com quem teve os filhos Mateus, Amanda e Pedro Henrique, o bauruense fala com orgulho da sua família.
Tal alicerce, inclusive, foi fundamental para o profissional transformar o racismo que sofreu na adolescência em militância. Confira, abaixo, algumas passagens da sua história.
Jornal da Cidade - Como foi a sua infância?
Antonio Carlos da Silva Barros - Eu nasci em Bauru e morei boa parte da minha vida no Bela Vista. A minha família sempre foi muito pobre. Mesmo assim, os meus pais nunca deixaram de cuidar dos filhos.
JC - Onde você estudou?
Toninho - Eu fiz o pré com a tia Vânia no antigo Carlos Chagas. Depois, passei pelo Colégio São Francisco, Torquato Minhoto e Guedes de Azevedo. Aos 12 anos, entrei no Cips para ajudar a complementar a renda da minha casa. Lá, limpava as ruas da cidade, das 7h às 11h30. À tarde, frequentava a escola. Passado certo tempo, fui para a marcenaria e, em seguida, para o escritório central, onde trabalhei com o então presidente da entidade, Roberto Previdello. De lá, me chamaram para atuar como mirim junto à Caixa. Depois, ocupei o mesmo cargo na Secretaria de Obras até completar 18 anos.
JC - O que fez depois que chegou à maioridade?
Toninho - O então secretário de Obras, Alfeno Vidal de Negreiros, abriu a Ettapa Engenharia e me chamou para trabalhar com ele. Neste período, eu acabei me formando enquanto técnico em edificações pelo Liceu. Em seguida, comecei a estudar tecnologia de edifícios na Unesp. Porém, passei em um concurso para escriturário da Polícia Civil. Decidi, então, trocar a graduação que fazia por Direito, momento em que entrei na ITE.
JC - Hoje, você não trabalha mais na polícia. Por qual motivo abriu mão deste emprego?
Toninho - Ainda na polícia, eu passei em um concurso para escrivão e sonhava em ser delegado tão logo me formasse em Direito, mas não queria mexer com arma, principalmente, porque já pensava em ter filhos. Neste período, sofri um acidente de carro e, como Deus me deu mais uma chance, resolvi partir para outro ramo.
JC - Para onde foi depois que deixou a polícia?
Toninho - Um dos membros da Ettapa Engenharia fundou a Apoema Construtora e, como eu havia acabado de me formar em Direito, ele me chamou para assumir o departamento jurídico da empresa. Fiquei longos anos por lá até que resolvi trabalhar como advogado autônomo, mas não deu tempo: fui chamado para lecionar direito e teologia na USC (Unisagrado).
JC - Como nasceu o desejo de ser professor?
Toninho - Eu sempre sonhei em ser professor por causa do meu primo, o Macalé. Portanto, aceitei o convite da USC e trabalhei por lá durante 15 anos. Neste período, me tornei especialista em história social pela mesma instituição e mestre em ciências da religião com aporte em ética e Direito pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP). Também me formei em filosofia pela Universidade Metropolitana de Santos (Unimes), que mantém um polo em Bauru. Da USC, passei no concurso da Escola Técnica Estadual (Etec), em Cabrália Paulista, onde estou até hoje como professor e orientador educacional. Leciono, ainda, na Etec Rodrigues de Abreu, em Bauru.
JC - Em qual momento você conheceu a sua esposa?
Toninho - Nós nos conhecemos na Paróquia Santo Antônio. Eu fazia parte da Ordem Franciscana Secular, destinada aos leigos. De lá, surgiu a vontade de me tornar padre, mas deixei a ideia de lado, porque não queria que a minha família ficasse sem o meu salário. Ela, por sua vez, também frequentava a igreja, afinal, desejava ser freira. Em 1983, começamos a namorar e nos casamos depois de quase dez anos, em 1992. Mesmo assim, nunca abandonamos a nossa fé.
JC - Quando começou a militar em prol da comunidade negra?
Toninho - Na época em que tinha entre 14 e 15 anos. Eu estava com os meus colegas da escola na fila para comprar ingressos para a Expo, no Recinto Mello Moraes, momento em que um policial me abordou e pediu os meus documentos. Percebi que havia algo errado e comecei a me envolver com a causa.
JC - De que forma você contribui com a causa?
Toninho - Além de ministrar várias palestras sobre o assunto, presidi a Comissão do Negro e Assuntos Antidiscriminatórios - hoje, Comissão da Igualdade Racial - da OAB Bauru por dez anos. Paralelamente, criei, em parceria com o Roque Ferreira e o Lelo Rodrigues, o Conselho Municipal da Comunidade Negra, em 2003. Hoje, exerço a função de diretor jurídico do Tucanafro do Estado de São Paulo e presidente da mesma entidade em nível local. Trata-se de uma ala do PSDB, partido ao qual sou filiado, destinada a estimular a participação política da comunidade negra. Mais recentemente, me tornei titular do Conselho Estadual da Comunidade Negra. Enfim, eu luto por um mundo onde caibam todos.