Ouvi! Vi! Vim! Esses verbos marcam uma das mais cinematográficas teofanias registradas nos livros Sagrados. A revelação envolve Moisés que, ao cuidar do rebanho do seu sogro, avista uma sarça que arde sem se consumir. O Criador externa sua inconformidade e indignação diante do tratamento pesado infligido pelos egípcios sobre os descendentes de Abraão, a quem qualifica de “meu povo”.
Diante do clamor ouvido, comovido pelo que afirma ter visto, o Soberano toma a solene decisão: decidi descer para libertar o meu povo. Claro está o caráter político da intervenção divina. Deus se importa com as situações de miséria e de sofrimento. Ouve, vê e dá a ordem para enfrentar a tirania egípcia, com a solene promessa de que estará ao lado das lideranças salvadoras.
A dimensão político-social do episódio que marca o nascimento dos hebreus como uma nação soberana confirma com cristalina evidência que Deus se importa com a situação social e política das pessoas. É pelo bem-estar do ser humano integral – alma, corpo e psique – que Deus se interessa. Seria totalmente despropositado o Criador ocupar-se exclusivamente da dimensão espiritual do ser humano enquanto ignora o aspecto material. Como se o homem pudesse estar bem espiritualmente e mal materialmente.
Em seu ministério, Jesus faz eco a esse empenho divino de assegurar saúde integral ao ser humano. Em várias oportunidades, Cristo atrelou as bênçãos espirituais a curas físicas, dando a entender claramente que o espiritual não sobrevive se o material estiver deficitário. Causa estranheza, portanto, a articulada resistência externada por alguns segmentos religiosos à atuação político-social da Igreja. Discordam da igreja no Brasil, em tempo de Quaresma, focar problemas sociais e aspectos ecológicos.
Inquieta, de fato, uma espiritualidade excessivamente vertical, marcadamente intimista. Como se possível fosse comungar a intimidade divina sem um comprometido envolvimento solidário. Pontuais esmolas ajudam, mas não mudam estruturas articuladamente injustas e nem contestam arquitetados sistemas exploradores! Equivocada estaria a cúpula religiosa caso insistisse somente no aspecto social, como se ONG fosse.
Provocasse dúbios se usasse sua influência para favorecer ideologias, partidos políticos ou lideranças específicas. Desse tipo de política a Igreja tem que manter sábia distância para assegurar sua independência na ação pastoral. Estaria, todavia, se omitindo gravemente caso se cale diante de situações claramente contrárias à vida, desfavoráveis ao bem-estar do povo de Deus. Exploração organizada se combate com ação evangelizadora articulada!
Aquele singular encontro entre Deus e Moisés foi precedido pela sugestiva recomendação de o hebreu livrar-se de suas sandálias. É preciso esvaziar-se para ouvir a voz de Deus. É preciso deixar-se incendiar por esse fogo que não se consome para ouvir, ver e agir!
O padre Charles Borg é vigário-geral da Diocese de Araçatuba.
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