ECONOMIA

'Brasil podia decolar, mas o Lula não deixa', diz economista

'O crescimento não veio como a gente esperava. Por que não veio? Bom, nós fizemos oito anos de reformas, mas aí veio o PT e fez 15 anos de 'desreformas' ', afirma.

Por Alexa Salomão | 20/06/2024 | Tempo de leitura: 9 min
da Folhapress

Reprodução/AGPT

'O Lula, nos dois primeiros anos, ainda fez alguma coisa', iniciou economista em sua fala.
'O Lula, nos dois primeiros anos, ainda fez alguma coisa', iniciou economista em sua fala.

Passados 30 anos, o economista Edmar Bacha avalia que os formuladores do Plano Real foram um tanto otimistas quando acreditaram que a estabilidade propiciada pelo Plano Real seria, por si só, o impulso para um novo ciclo de crescimento econômico. O pacote de reformas desenhado para dar continuidade ao plano era essencial, e essa parte do plano não foi concluída.

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"O crescimento não veio como a gente esperava. Por que não veio? Bom, nós fizemos oito anos de reformas, mas aí veio o PT e fez 15 anos de 'desreformas' ", afirma.

Em entrevista à Folha de S.Paulo, Bacha, que é um dos formuladores do Plano Real, relembra episódios da elaboração do pacote e avalia a atual situação econômica do Brasil.

"A gente ainda tem um Estado inchado que absorve um terço do PIB [Produto Interno Bruto] e não entrega para a população serviços adequados de saúde, educação, transporte, segurança e infraestrutura, e a economia continua fechada."

PERGUNTA - O Brasil não conseguia manter um plano por uns poucos meses. O sr. participou do Cruzado, por exemplo. Agora, comemoramos 30 anos do Plano Real. Por que deu certo desta vez?

EDMAR BACHA - Houve um aprendizado com os planos anteriores. Essa foi a grande diferença. Alejandro Foxley, primeiro ministro da Fazenda do Chile após a ditadura de Augusto Pinochet, é meu amigo, tão amigo que ele pode me dizer assim: 'Bacha, agradeço muito a vocês brasileiros e a nossos companheiros argentinos por terem se redemocratizado antes da gente, porque fizeram tudo errado e, agora, eu sei o que não é para fazer'.

P. - Vou reformular, então. Quais erros não foram repetidos?

EB - Quase nenhum. Os planos anteriores eram choques. O Real foi um programa pré-anunciado com três fases. Antes de passar de uma fase para outra, o Congresso precisava aprovar algum tipo de documento legal para ficar tudo nos conformes. Essa diferença formal foi a mais importante. Agora, por que a gente pode fazer desse jeito, anunciado? Porque não teve congelamento, apesar de o presidente Itamar Franco querer muito, até o último dia. E teve a URV [Unidade Real de Valor, moeda escritural do plano]. Avisamos que a gente ia urvisar [a moeda]. Aí alguém pergunta o que é urvisar, e a gente disse que começava com a URV valendo um dólar. Todo mundo entendeu.

P. - Para as novas gerações, que não conheceram a hiperinflação, o sr. podia resgatar o ambiente da época e como se deu a reunião da equipe que desenvolveu o plano?

EB - Primeiro teve a etapa PUC [Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro], onde as ideias foram germinadas de forma acadêmica. Estamos falando dos anos de 1982 a 1984. No grupo estávamos eu, André Lara Resende, Pérsio Arida, Pedro Malan, Gustavo Franco, Winston Fritsch, mais Chico Lopes, Dionísio Dias Carneiro, Eduardo Modiano.

Em 1988, o PSDB foi criado. Assinei a carteirinha junto com todos os criadores do partido, e me tornei economista do PSDB. Também assinaram a carteirinha Winston, Gustavo, Elena Landau. Pedro nunca assinou, mas sempre esteve próximo. Nós éramos os economistas do PSDB, e como tais, a gente se reunia com alguma periodicidade com José Serra. Se presumia que, quando o PSDB fosse para o governo, quem ia ser ministro da Fazenda era Serra. Ninguém tinha nenhuma dúvida sobre isso.

Agora faz um clique e entra Itamar Franco. Ele demite três ministros da Fazenda e nomeia, de surpresa, Fernando Henrique Cardoso para a pasta. Fernando Henrique está lá em Nova York, muito satisfeito com a posição de ministro das Relações Exteriores. Foi pego de surpresa. Tentou outros nomes, mas não colou. Aceitou, e, tendo aceito, ele pensou, a quem recorro?

Que eu saiba, ele ligou para três pessoas. Armínio Fraga, que estava em Nova York, Pedro Malan, em Washington, e para mim aqui, que estava na PUC. Tinha acabado de dar uma aula quando o telefone tocou. Ele me convocou para ir a Brasília no dia seguinte. Eu fui com a Elena. Aos cardeais do PSDB, manifestei a minha extrema preocupação com aquela movimentação. O Covas me disse assim: 'ô, Bacha, essa não é uma decisão do Fernando, é uma decisão do partido. Você é o economista do partido, você vem conosco'. Não sei se você se lembra do Covas direito. Não se discutia com ele.

Comigo entraram o Winston e o Gustavo. Aí encontramos o Murilo Portugal. Não mexemos no Banco Central, que estava com Paulo Cesar Ximenes. Clóvis Carvalho veio de São Paulo para ser o número dois do Ministério. José Serra e a equipe dele no Congresso estavam dando apoio.

O que a gente faz? O PAI, Programa de Ação Imediata, para arrumar a casa. Aumentar os impostos, criar a contribuição provisória para a movimentação financeira. Reorganizar as relações do Banco Central com o Tesouro. Renegociar as dívidas dos estados e municípios. Acabar com a negociação da dívida externa. Enfim, dar uma arrumação nas contas públicas, preparando para o futuro governo que vai vir daqui a um ano e meio. Era um pequeno bando de Brancaleone.

Em agosto, o Itamar demite o Ximenes sem falar para o Fernando Henrique. Achamos que ele ia entregar o chapéu. Fernando Henrique convocou a reunião, aquela que deu no papelzinho azul [primeiro rascunho do plano de estabilização, inspirado nas ideias de diversos integrantes do governo, que levaria ao Real]. Essas ideias já eram correntes, mas não tão especificadas como ficou no papelzinho azul. Fernando Henrique ficou fascinado.

P. - Tantos pais e nenhuma mãe. Por quê?

EB - A mãe era para ser a Elena, mas não quis ir para o governo. Entrou quando vieram as privatizações, que foi uma fase importante.

P. - O Real sobreviveu, mas o PSDB não...

EB - Isso foi inacreditável!

P. - ... e o PSDB ficou muito associado ao Real...

EB - Fernando Henrique só se elegeu duas vezes por causa do real. O partido, no entanto, não tinha uma âncora, como o PT. O PSDB veio como um grupo de iluminados políticos, de alta qualidade, com uma assessoria econômica de elite, e nenhuma base social. Quando se esgotou o efeito do real, o partido se dissolveu. A velha geração não teve sequência na nova geração, com o mesmo quilate.

Mas, com base no real, elegemos Fernando Henrique por dois mandatos e fizemos governadores em São Paulo por 20 anos. Demos um jeito em São Paulo, mas oito anos não foram suficientes na Presidência para fazer tudo que era necessário.

P. - Numa entrevista à Folha de S.Paulo, lá atrás, o sr. disse que a proposta do Real era controlar a inflação com crescimento. A missão foi cumprida?

EB - Não foi. Dá para dizer que o Plano Real tinha quatro objetivos. O principal era controlar a inflação. Feito isso, era preciso parar o processo de concentração de renda. Conseguimos isso também, inclusive com programas sociais e transferência de renda. Ainda há desigualdade, mas bem minorada.

Outro problema era o balanço de pagamentos. O Brasil vivia um crise atrás da outra de balanço de pagamentos, crise da dívida externa. Na primeira fase do Real, continuaram ocorrendo, porque demoramos a sair da âncora cambial e ir para âncora da taxa de juros. Fizemos forçados por uma crise, mas fizemos. Desde então, o Brasil não tem problema de balanço de pagamentos. Hoje, tem reservas à beça e superávit na balança comercial.

Agora, o crescimento não veio como a gente esperava. Por que não veio? Bom, nós fizemos oito anos de reformas, mas aí veio o PT e fez 15 anos de "desreformas".

Junto com o Real, nós mandamos para o Congresso 63 emendas constitucionais. Tudo o que você pode imaginar. Todas as maldades que cabiam na minha cabeça, na cabeça do Serra e na cabeça do Nelson Jobim. Como você sabe, são cabeças muito maldosas [risos]. O Congresso rejeitou 62 e aprovou o Fundo Social de Emergência, que era o que a gente pedia, porque se não aprovassem, a gente não fazia o plano. Então, essas 62 emendas estavam ali. Era o conjunto de reformas que o país precisava implantar.

P. - Alguma coisa foi feita, não?

EB - O Lula, nos dois primeiros anos, ainda fez alguma coisa. Depois, na hora que veio a bonança [alta no preço das commodities que gerou crescimento interno e global], falou que não precisava fazer mais porcaria nenhuma. Em cima da bonança veio o pré-sal. O mundo parou de ter crise, por causa da China. Então, o Lula não fez mais nada em termos dessas reformas estruturais de que o país necessitava, especialmente a abertura econômica.

A reforma tributária só agora está vindo, e toda despedaçada. A reforma do Estado nem foi tocada. Toda a questão das carreiras no setor público nunca foi devidamente estruturada.

A gente ainda tem um Estado inchado que absorve um terço do PIB e não entrega para a população serviços adequados de saúde, educação, transporte, segurança e infraestrutura, e a economia continua fechada. Vou repetir aqui o que já disse em outra entrevista. Brasil podia decolar, mas o Lula não deixa.

Sempre falo de abertura comercial como uma questão de produtividade. Mas o que realmente me toca é essa injustiça dessa elite infame, que explora monopolisticamente o mercado nacional com preços surreais e não deixa entrar aqui produtos estrangeiros de boa qualidade e preços baixos para que os pobres e a classe média deles se beneficiem, como nós ricos já nos beneficiamos.

Olha o paradoxo da situação. Nós ricos podemos gastar o que quisermos lá fora sem pagar imposto aqui. Na volta, a gente ainda passa no free shop e pode gastar US$ 1.000 sem pagar um tostão. No dia que os pobres descobriram um canalzinho chinês pela internet, onde eles podem comprar coisinhas, o governo quer taxar. Por que o governo quer taxar os pobres e não taxa os ricos de vez?

Raio-X | Edmar Bacha, 82

Mineiro de Lambari, formou-se em economia pela UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais) e é um dos primeiros economistas brasileiros com doutorado no exterior, pela Universidade Yale (EUA), em 1968. Com intensa vida acadêmica, lecionou em instituições no Brasil e no exterior. Em 1974, publicou uma fábula sobre a Belíndia, reino imaginário que fundia Bélgica e Índia e se tornou uma analogia à desigualdade brasileira. Estava no grupo que elaborou o Plano Cruzado, em 1986, tentativa frustrada de debelar a inflação, e, depois, entre os formuladores do Plano Real, de 1994, que pôs fim à hiperinflação no Brasil. Foi presidente do BNDES e do IBGE. Sócio fundador e diretor do Instituto de Estudos de Política Econômica Casa das Garças, é membro da Academia Brasileira de Letras e da Academia Brasileira de Ciências

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