A Assembleia Legislativa de Santa Catarina votou, na quarta-feira (10), pela aprovação do Projeto de Lei 753/2025, que extingue cotas raciais na Universidade do Estado de Santa Catarina (Udesc) e em instituições de ensino que recebem recursos do governo estadual. A proposta, que aguarda sanção do governador Jorginho Mello (PL), gerou questionamentos sobre sua constitucionalidade por parte do Ministério Público, da Defensoria Pública e da própria Udesc.
A votação ocorreu na última sessão do ano, que também incluiu a aprovação de mais de 60 projetos, entre eles ampliação de gratificações para parlamentares, criação de cargos e autorização para instalação de câmeras em salas de aula.
O texto proíbe a reserva de vagas com base em critérios raciais. Universidades que descumprirem a norma poderão ser multadas em R$ 100 mil por edital e perder repasses públicos. Permanecem permitidas cotas para pessoas com deficiência, estudantes de escolas públicas e critérios socioeconômicos.
A medida atinge a Udesc, instituições do sistema Acafe (Associação Catarinense das Fundações Educacionais) e faculdades privadas que recebem bolsas do programa Universidade Gratuita e do Fundo de Apoio à Educação Superior (Fumdesc). Universidades federais, como a UFSC, e institutos federais não são afetados.
A Udesc divulgou nota manifestando preocupação e discordância. Segundo a instituição, há fundamentos que podem indicar a inconstitucionalidade da proposta diante da legislação federal vigente, como a Lei nº 12.711/2012, que trata do ingresso em universidades e institutos federais. A universidade cita também decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) que reconheceu a constitucionalidade de políticas de ação afirmativa com recorte étnico-racial.
A Udesc afirmou que está avaliando o texto e verificando os impactos nos processos em andamento na instituição, caso o governador sancione a lei. A gestão disse ainda que está à disposição para compartilhar dados, experiências e evidências sobre a importância das ações afirmativas no combate às desigualdades.
A UFSC, o Instituto Federal de Santa Catarina (IFSC), o Instituto Federal Catarinense (IFC) e a Universidade Federal da Fronteira Sul (UFFS) divulgaram nota conjunta de repúdio ao PL 753/2025. As entidades afirmam que a medida representa retrocesso, pode ampliar desigualdades e limitar o acesso de grupos historicamente excluídos ao ensino superior.
"Reafirmamos nosso compromisso com a luta contra o preconceito e a discriminação e seguiremos defendendo políticas de inclusão e equidade racial, pilares indispensáveis para o futuro democrático do país", diz trecho do posicionamento.
O deputado Fabiano da Luz (PT) criticou a aprovação e afirmou que o projeto será alvo de Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADIN) por violar princípios constitucionais, invadir competência da União e representar retrocesso social. Ele afirmou que cotas não são privilégios, mas instrumentos para corrigir desigualdades históricas. "Não começamos do mesmo lugar e não temos as mesmas oportunidades. Não existe mérito onde não existem condições iguais de partida", disse.
A deputada Paulinha (Podemos) criticou a medida, ressaltando que a política de cotas, criada em 2012, é resultado de luta histórica. "Olhem à volta de vocês. Quantos homens e mulheres pretas estão nesse plenário? Se ignorarmos o acesso à universidade, eles nunca estarão aqui. Pretos só estão chegando às universidades porque a lei de cotas existe", afirmou.
Já Alex Brasil (PL), autor do projeto, defendeu que universidades estaduais estavam criando vagas para grupos diversos, como refugiados e ex-presidiários, e até para pessoas de fora de Santa Catarina. Segundo ele, o objetivo é beneficiar quem tem precariedade social e econômica, independentemente de raça ou identidade. "O catarinense estava sendo obrigado a pagar bolsa para quem não é do estado", disse.
O advogado constitucionalista Rodrigo Wöhlke, em reportagem ao g1, defende que a Constituição busca garantir igualdade material, o que torna as cotas constitucionais. Ele avalia que, embora o estado tenha autonomia, a norma estadual pode ser considerada inconstitucional por ferir tanto a Constituição catarinense quanto a federal.
Wöhlke lembra que a própria lei prevê revisão a cada dez anos, caso os índices de desigualdade mudem. Segundo ele, isso foi feito em 2022/2023, com dados que mostraram que a política funcionou, mas de forma insuficiente, motivo pelo qual foi renovada por mais dez anos.
A professora e vice-reitora da UFSC, Joana Célia dos Passos, explica que as cotas são política pública voltada não só para reparar desigualdades sociais, mas também para tornar as instituições tão diversas quanto a sociedade brasileira. "O que altera isso na universidade é que estes mesmos que servem podem estar nas vagas estudando em uma universidade pública de qualidade", disse ao G1.
O Ministério Público de Santa Catarina, por meio da 40ª Promotoria de Justiça da Capital, que integra o Observatório para Enfrentamento ao Racismo, informou que acompanha a tramitação e vai instaurar procedimento para analisar a constitucionalidade por meio do Centro de Apoio Operacional do Controle de Constitucionalidade (CECCON).
A Defensoria Pública destacou que o tema é sensível do ponto de vista jurídico e social, pois envolve objetivos previstos na Constituição Federal, como a construção de uma sociedade justa e a redução das desigualdades. O órgão afirmou que seguirá acompanhando a tramitação e mantendo o compromisso com a legalidade e a proteção dos direitos fundamentais.