A Receita Federal mudou a forma de calcular o teto de faturamento do Microempreendedor Individual (MEI) e acendeu um alerta para quem tem outras fontes de renda na pessoa física. Agora, valores recebidos como autônomo ou segurado especial – mesmo fora do CNPJ do MEI – entram no limite de R$ 81 mil por ano. Se a soma ultrapassar o piso, o microempreendedor é desenquadrado automaticamente do regime simplificado e enfrenta carga tributária maior.
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O Fisco aplicou o artigo 100 da Resolução CGSN 140, que define receita bruta como todo ganho obtido pelo mesmo empresário individual, seja em um ou vários CNPJs, seja no CPF quando a atividade exigir contribuição ao INSS como contribuinte individual. Na prática, o MEI continua sendo tratado pela lei como pessoa física com CNPJ, o que facilita a união dos rendimentos. Essa interpretação inverteu o entendimento que predominava entre empreendedores: a ilusão de que podiam manter um MEI em uma atividade permitida e exercer outra profissão como autônomo, sem reflexo no teto de faturamento.
Profissionais liberais como médicos, advogados, arquitetos, nutricionistas, engenheiros, contadores e consultores correm maior risco. Esses profissionais não podem abrir MEI em suas áreas de atuação pela legislação, mas muitos mantêm uma atividade MEI-compatível paralela para diversificar renda. Um nutricionista que fatura R$ 40 mil no CPF prestando serviços autônomos e R$ 50 mil em um restaurante delivery estruturado como MEI estoura o teto de R$ 81 mil e precisa migrar para microempresa. Sem se dar conta, o profissional enfrenta desenquadramento automático, migração forçada para faixa superior e aumento significativo da carga tributária.
Nem toda entrada no CPF entra na contagem. Salário de CLT, aluguéis de imóveis, dividendos e rendimentos de aplicações financeiras permanecem excluídos do novo cálculo. O problema prático é que a Receita Federal não consegue ver a natureza de cada transação apenas olhando para extrato bancário ou registro de PIX. Sem organização mínima, a fiscalização pode tratar tudo o que entra em conta de pessoa física como possível receita de atividade econômica, caindo sobre o contribuinte a responsabilidade de provar que certas entradas não se relacionam com o MEI nem com atividade profissional sujeita a INSS.
A circulação de dinheiro por PIX e contas bancárias comuns amplifica o risco. Recebimentos via transferência instantânea misturam facilmente salário, renda extra, serviços feitos por fora, aluguéis, repasses familiares e faturamento do MEI tudo no mesmo extrato. Se o dinheiro do negócio entra na mesma conta que concentra todas as entradas, aumenta a chance de a Receita entender que aquele volume é faturamento do MEI ou de atividade profissional autônoma. Embora o MEI não seja obrigado por lei a ter conta bancária em nome do CNPJ, o cenário atual torna a separação cada vez mais estratégica para evitar equívocos.
A primeira defesa é abrir conta digital gratuita exclusiva para o MEI e concentrar nela todas as vendas do negócio. Registros apenas de entradas do negócio nessa conta, enquanto as finanças pessoais permanecem em outra instituição, ajudam a mostrar de forma clara qual é o faturamento do MEI e qual é a renda do CPF. Em uma eventual análise, relatórios bancários bem separados e organizados reduzem muito o risco de enquadramento equivocado.
Emitir nota fiscal sempre que possível também funciona como proteção, mesmo quando não é exigida em todas as operações. A documentação fiscal ajuda a comprovar o que é faturamento do MEI e vincula claramente o valor ao CNPJ. Em uma análise da Receita, ter notas compatíveis com os valores que passaram pela conta do negócio é um elemento importante para demonstrar boa-fé e organização.
Preencher mensalmente o relatório de receitas brutas é obrigação frequentemente ignorada pelos microempreendedores, mas ganha importância decisiva agora. Manter esse documento atualizado, com os valores de faturamento mês a mês, cria um histórico que facilita demonstrar o limite anual utilizado e comprovar que determinadas entradas de dinheiro não se relacionam com o CNPJ.
Considerar apoio de contabilidade digital também reduz riscos significativamente. Embora o MEI não seja obrigado a contratar contador, ter acompanhamento profissional ajuda a monitorar o faturamento em tempo real, separar o que é renda do CPF e o que é receita do MEI e evitar surpresas com desenquadramento automático. Uma contabilidade especializada em pequenos negócios também acompanha mudanças normativas e orienta a migração para microempresa quando o limite do MEI se torna insuficiente.
Para alguns perfis, especialmente quem exerce atividade fora do MEI com boa remuneração, a soma de rendas pode tornar inviável permanecer na categoria simplificada. Se a renda como contribuinte individual mais o faturamento do MEI se aproximam ou ultrapassam o limite anual, a estratégia mais segura pode ser planejar a migração para microempresa. Na ME, o teto anual sobe para R$ 360 mil e é possível incluir atividades que não se enquadram no MEI. Em contrapartida, aumentam obrigações, custos e a complexidade da gestão. Por isso, a decisão deve ser planejada, de preferência com apoio técnico, em vez de acontecer de forma forçada após autuação ou desenquadramento automático.
Quem abre MEI no meio do ano nem sempre tem direito ao limite cheio de R$ 81 mil no primeiro ano de atividade. O limite é calculado de forma proporcional aos meses em operação, o que torna ainda mais importante acompanhar o faturamento real e a soma com rendas do CPF para não ultrapassar o teto sem perceber.
Separar finanças pessoais e empresariais nunca foi tão urgente. A onda de cruzamento de dados bancários, Nota Fiscal Eletrônica e declaração do Imposto de Renda torna a organização o melhor escudo contra autuações.