A Justiça brasileira tem endurecido o entendimento contra a prática comum de exigir que o inquilino pinte o imóvel automaticamente ao final do contrato. Em diferentes estados, tribunais têm decidido que o locador só pode cobrar pintura ou reparos quando houver prova concreta de dano, afastando a cobrança baseada apenas na finalização da locação. O posicionamento reforça o que determina a Lei do Inquilinato (Lei 8.245/1991), segundo a qual o imóvel deve ser devolvido em condições compatíveis com o uso regular, sem responsabilizar o morador pelo desgaste natural do tempo.
VEJA MAIS:
Entre as decisões recentes, chamou atenção um julgamento da 1ª Turma Recursal do Tribunal de Justiça do Paraná, em outubro de 2024. No caso analisado, a imobiliária exigia pintura nova mesmo sem qualquer comprovação de danos. A corte considerou a cobrança abusiva por não haver indício de deterioração além do envelhecimento natural das paredes. Outro entendimento importante vem do Tribunal de Justiça do Distrito Federal, que consolidou a necessidade de laudos válidos de entrada e saída para justificar qualquer despesa. Laudos feitos de forma unilateral, sem participação do inquilino, não são aceitos como prova.
Os julgadores têm destacado a diferença entre desgaste inevitável e dano efetivo. Itens como tinta desgastada, pequenas marcas ou alteração de cor são consequências normais do uso contínuo e não podem gerar cobrança adicional. Já estragos que vão além do razoável — como furos extensos, mofo causado por falta de ventilação ou rachaduras que indiquem mau uso — podem ser responsabilizados ao locatário, desde que comprovados documentalmente.
As decisões ajudam a reorganizar a dinâmica do mercado de locações. Para os inquilinos, reduz o medo de cobranças padronizadas no encerramento do contrato. Para as imobiliárias, reforça a necessidade de vistorias detalhadas, com fotos, assinaturas e relatórios completos. Especialistas em direito imobiliário apontam que impor “pintura obrigatória” sem análise individual fere a boa-fé contratual, já que ignora as condições específicas do imóvel e viola o que a legislação estabelece.
Para evitar conflitos, advogados recomendam atenção redobrada ao processo de vistoria. É essencial que o locatário guarde a documentação inicial, participe da avaliação final e registre em fotos o estado da propriedade no momento da entrega. Caso haja cobrança indevida, a contestação judicial é possível — e, diante dos precedentes, as chances de êxito aumentaram.
As recentes decisões sinalizam um movimento claro do Judiciário: proteger o inquilino contra práticas abusivas e garantir maior transparência nas relações de locação. Cobranças só serão válidas quando houver comprovação de que o dano ultrapassa o desgaste natural — e isso precisa estar documentado.