28 de dezembro de 2024
FÉ E RELIGIOSIDADE

‘A fé é um elemento essencial da vida em sociedade’, diz Bispo da Diocese de Piracicaba

Por Roberto Gardinalli | roberto.gardinalli@jpjornal.com.br
| Tempo de leitura: 12 min
Guilherme Leite/Câmara de Piracicaba

Nomeado Bispo da Diocese de Piracicaba em dezembro de 2020 e tomando posse em 2021, Dom Devair Araújo da Fonseca, agora, recebeu da Câmara de Piracicaba o título de Cidadão Piracicabano, em cerimônia realizada no último dia 22 de março.  Para o Bispo, o reconhecimento em forma de título, na verdade, é significativo para toda a Igreja Católica. “A Igreja tem um papel fundamental. Ela tem o papel de ajudar na formação das pessoas e no despertar da consciência. A fé é um elemento essencial da vida em sociedade. Se trata de um reconhecimento, acima de tudo, da própria Igreja”, disse. Confira a entrevista do Bispo Dom Devair Araújo da Fonseca ao JP.

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O senhor foi nomeado Bispo da Diocese de Piracicaba em novembro de 2020. Hoje, há três anos à frente da Diocese, receberá o título de Cidadão Piracicabano. O que essa homenagem significa para o senhor? O momento da minha nomeação em 2020 aconteceu num período complicado que nós estávamos vivendo, que era o tempo da pandemia. Justamente naquele ano nós tivemos todo o fechamento de todas as possibilidades de celebrações maiores ou de celebrações públicas. Então, ao mesmo tempo, foi uma surpresa e um desafio. Nós buscamos alternativas para realizar a celebração com um grande número de pessoas, mas isso não foi possível, exatamente por conta do agravamento da situação da pandemia. Então, no início de 2021, a celebração aconteceu na Catedral e ainda assim ela foi bem participativa porque foi transmitida e eu senti o carinho, a presença das pessoas, embora distantes por conta de toda a questão da pandemia, as pessoas estiveram presentes à celebração utilizando os meios de comunicação à disposição. Ao longo desses três anos, foi possível fazer visitas às comunidades, foi possível conhecer o povo da cidade, foi possível conhecer as características diferentes da cidade. São 15 municípios da Diocese de Piracicaba, municípios com características diferentes, com desafios pastorais diferentes, mas ao mesmo tempo um povo de uma fé muito forte, um povo de uma fé muito viva. Por isso, as celebrações que eu tenho presidido são sempre celebrações muito participativas e muito bem celebradas. Vejo essa questão do título de cidadão com bons olhos. É um reconhecimento, não simplesmente da pessoa, mas é um reconhecimento, sobretudo, da presença da Igreja na vida da sociedade. E essa presença da Igreja na vida da sociedade é realmente muito importante. A Igreja tem um papel fundamental. Ela tem o papel de ajudar na formação das pessoas, no despertar da consciência das pessoas. E a fé é um elemento essencial da vida em sociedade. As pessoas de fé, as pessoas que vivem a sua fé, que buscam praticar a sua fé, elas têm esse compromisso não só interno de vivência da sua fé, mas esse compromisso também de testemunho, de anúncio, de promoção e de pensar no bem comum. Por isso vejo com bons olhos esse reconhecimento, mas afirmo mais uma vez se trata do reconhecimento acima de tudo, da própria Igreja.

O senhor tomou posse em Piracicaba em 2021. Gostaria de saber como tem sido a sua passagem por aqui, como foi seu acolhimento na cidade e região e o que enxerga como seus principais desafios e objetivos à frente da Diocese de Piracicaba. Embora a minha chegada tenha acontecido no início de 2021, em janeiro de 2021 e nós estávamos ainda no tempo da pandemia, e podemos dizer que foi o período mais complicado da pandemia, a minha passagem e a minha presença nas comunidades ela se deu de forma muito tranquila. Eu fiz uma programação e ao longo dos primeiros meses do ano, até agosto de 2021 mais precisamente, foi possível visitar todas as paróquias, ter contato ao menos com parte das lideranças, das coordenações das paróquias e também pela realização dos sacramentos, sobretudo o sacramento da Crisma, que aconteceram normalmente, claro que com número reduzido de pessoas, mas nós buscamos da melhor forma possível esse contato. Acredito que ainda que a pandemia tenha provocado inúmeras restrições à vivência social na Igreja, sobretudo por esse desejo de celebrar a fé, foi possível esse encontro, foi possível essa escuta da Palavra e aos poucos eu fui conhecendo. Uma coisa interessante naquele momento, no início, foi a visita a cada paróquia, a cada um dos 15 municípios que pertencem à Diocese e também o contato com as lideranças políticas, os prefeitos, presidentes de câmaras. Isso é importante, a presença social da Igreja. É a presença da Igreja na vida pública, é a presença da Igreja nas coisas que dizem respeito à sociedade. Por isso eu acho muito valioso esse contato. Interessante que cada prefeito fez uma breve apresentação da realidade da sua cidade e isso me permitiu conhecer melhor a região e os municípios que compõem a nossa Diocese.

Gostaria de abordar sua experiência em outras regiões, também. O senhor é natural de Franca, onde foi ordenado sacerdote e, também, onde recebeu a ordenação episcopal. Além disso, foi nomeado bispo titular de Uzali e bispo-auxiliar da Arquidiocese de São Paulo para a Região Episcopal de Brasilândia e, agora, em Piracicaba. As regiões episcopais possuem diferenças entre elas? A minha nomeação episcopal aconteceu no ano de 2015. E eu fui nomeado como bispo auxiliar para a Arquidiocese de São Paulo. Sempre que um bispo é nomeado como auxiliar, ele recebe o título de uma diocese. Uzali é uma diocese que, na prática, já não existe mais. Mas se recebe esse título porque o bispo tem um povo, ele tem uma Igreja a qual ele está ligado. Mesmo que essa diocese não exista mais fisicamente, ela existe na presença de Deus. Exatamente por isso, ela não desaparece. E dessa forma, o bispo auxiliar está ligado a uma diocese, a uma dessas dioceses que existiu no passado. É apenas um título para a criação ou para a nomeação do bispo. Mas, de fato, eu fui nomeado Bispo Auxiliar para a Arquidiocese de São Paulo. A Arquidiocese de São Paulo é uma realidade bastante diferente da minha realidade de origem. Eu sou natural de Franca, vivi toda a minha vida em Franca, como padre, e ali exerci algumas funções até a nomeação. O último exercício de função que eu tive na Diocese de Franca foi pároco da Paróquia São José, em Orlândia. A nomeação para São Paulo, ao mesmo tempo que foi uma surpresa, eu encarei como um grande desafio, porque é uma realidade bastante diferente daquela na qual eu estava habituado, onde eu estava habituado, que era a Franca. São Paulo é um desafio porque é uma das maiores cidades do mundo. A Arquidiocese de São Paulo é uma das maiores arquidioceses do mundo e ela está dividida em seis regiões episcopais. Cada uma dessas regiões fica a cuidado de um bispo, mas o arcebispo de São Paulo é aquele que comanda, que dirige, que direciona a Arquidiocese de São Paulo. Nas regiões pastorais, nós temos realidades muito diferentes, porque ali se encontra situações humanas diferenciadas, situações culturais diferenciadas, porque cada parte de São Paulo tem as suas características próprias. A região Brasilândia fica um pouco ali na direção norte de São Paulo, para a gente se localizar, e ela é marcada por uma parte de bastante pobreza, ainda de muitas comunidades, de muitas favelas, mas, ao mesmo tempo, de um povo muito trabalhador. É um povo que sente as dificuldades, por exemplo, de sair de uma periferia de São Paulo para ir trabalhar em outras regiões, em outros lugares. Então, é um povo acostumado às dificuldades do transporte de São Paulo, mas é um povo que, ao mesmo tempo, tem uma fé muito grande. E me impressionava que pessoas que saíam de madrugada para o trabalho, quando a gente tinha celebrações à noite e geralmente às 20h, essas pessoas estavam lá. Muitas das vezes vindo diretamente do trabalho, mas estavam ali para celebrar a sua fé, para fazer reuniões, para participar de formações. Então, foi um tempo muito rico. Costumo dizer que a região Brasilândia foi um lugar onde eu fui muito feliz na Arquidiocese de São Paulo e tenho boas recordações, boas amizades cultivadas ali naquela região.

E como funciona o trabalho de um bispo à frente de uma Diocese? Como bispo diocesano, a diferença é que a responsabilidade passa a ser totalmente do bispo diocesano. Enquanto o bispo auxiliar partilha daquela responsabilidade do bispo diocesano ou, no caso, do arcebispo de São Paulo, o bispo diocesano tem as responsabilidades tanto do governo da Diocese quanto da direção pastoral e de todas as coisas na diocese. Aqui, na Diocese de Piracicaba, nós temos sete regiões pastorais, e temos um padre que é o responsável de cada uma dessas regiões pastorais, mas na prática toda a responsabilidade da diocese ela recai, em último caso, sobre o bispo diocesano. É justamente por isso que todas as decisões e os encaminhamentos precisam ser feitos a partir daquilo que é a visão ou a direção dada pelo bispo diocesano. E aí, em cada diocese, cada bispo tem um perfil, uma forma de governar. Posso falar do meu caso, eu particularmente acho importante, por exemplo, acompanhar com alguma proximidade o processo formativo dos seminaristas, que serão nossos futuros padres. Gosto também de estar presente, sempre que possível, nas paróquias, nas comunidades paroquiais, em contato com os párocos, celebrando. Penso que tudo isso ajuda nas decisões necessárias ao governo diocesano e também na condução pastoral dos fiéis, pois todo o trabalho precisa buscar sempre o bem espiritual das pessoas, para levá-las a Deus. Eventualmente, alguém pode não gostar ou não entender certas medidas, como uma transferência de um sacerdote ou coisa do tipo, mas o objetivo final deve ser, e é, sempre ajudar na caminhada de fé da Diocese, que é a parcela do Povo de Deus confiada ao bispo.

Falando sobre o catolicismo e a religião de maneira geral, atualmente. Como o senhor vê o papel da Igreja Católica na sociedade moderna e quais são os principais problemas sociais que você acredita que a Igreja deve abordar? A Igreja sempre teve um papel relevante na sociedade. Haja visto que aquelas realidades fundamentais da sociedade, muitas delas foram criadas e foram sustentadas e desenvolvidas pela Igreja. Nós precisamos ler a história para conhecer esses fatos. A Igreja foi a primeira a desenvolver as universidades, os hospitais, os asilos, as casas de repouso, as casas de acolhida de pessoas em situação de vulnerabilidade. Então tudo isso foi criado, foi desenvolvido a partir da ação social da Igreja. Com o tempo, isso passou a ser uma atribuição do Estado, mas a Igreja nunca se afastou dessas atividades. A Igreja nunca se distanciou dessas atividades exatamente porque isso faz parte da natureza da Igreja. E eu vejo que a participação da Igreja nessas realidades, ela continua manifestando a força da fé. Homens e mulheres que se dedicam todos os dias nas diversas atividades da Igreja, então que não se resume apenas a uma realidade celebrativa. A realidade celebrativa é onde nós encontramos a força para viver a nossa fé, na celebração sobretudo da Eucaristia e dos outros sacramentos, mas é na ação como Igreja das pessoas que realmente se torna concreto esta fé. Vejo que o papel da Igreja na região de Piracicaba é bastante forte, a presença da Igreja nos quinze municípios é bastante forte, o relacionamento com os poderes públicos é um relacionamento bastante forte, isso tudo mostra a relevância e a importância que a Igreja continua a ter no tempo presente. Também vemos o fortalecimento da fé. Apesar de algumas vezes se falar de um regresso ou de uma diminuição das pessoas de fé ou do catolicismo de modo geral, o que nós vemos é o fortalecimento da fé. Da fé dos jovens, da fé das pessoas adultas, que constantemente procuram a vivência sacramental. Isso mostra a beleza da fé e a importância da religião na sociedade.

Além disso, hoje é comum vermos sacerdotes utilizando redes sociais e outras plataformas digitais para compartilhar orações, homilias, reflexões, etc. Na sua visão, essas tecnologias devem ser consideradas aliadas para manter a relação próxima com os fiéis? Como a Igreja Católica enxerga esse assunto? A utilização das mídias sociais, das redes sociais, nas diversas plataformas e nos diversos aplicativos ou meios de comunicação que nós temos, eu vejo com muito bons olhos isso. É claro que nós temos coisas que são um pouco excêntricas ou que fogem um pouco daquilo que é a normalidade da Igreja. Então estamos aprendendo a usar as redes sociais como todo mundo porque é preciso pensar que as redes sociais são mecanismos ou são instrumentos recentes, relativamente recentes, pelo menos. E a partir do tempo da pandemia, a Igreja entrou muito mais nesse ambiente, isso já era uma preocupação dos papas. Desde o Conselho Vaticano II, sempre houve essa preocupação com os meios de comunicação, até pela criação do Dia Mundial das Comunicações Sociais. Desde Paulo VI, os papas têm se preocupado em mandar mensagens nessa data, exortando a Igreja no caminho da comunicação, e recentemente muitos padres têm feito um excelente trabalho com relação a isso. Então, nós temos padres que dão formação e uma formação séria através dos meios de comunicação. Cito, por exemplo, o padre Paulo Ricardo, que tem uma presença muito grande, muito forte nos meios de comunicação, também como forma orante nós temos a presença do Frei Gilson, a presença do Instituto HeSed, que reúnem nas madrugadas, na oração do Rosário, algo em torno, contando pelos aparelhos, em torno de 500 mil a 700 mil aparelhos conectados. Isso se a gente multiplicar pelo menos duas pessoas, nós estamos falando aí de 1 milhão e 400 mil, 1 milhão e meio de pessoas. Além de outros padres que têm a sua forma de evangelização muito presente nos meios de comunicação, como o padre Marcelo Rossi, o padre Reginaldo Manzotti, que têm programas de rádio, que estão em canais de televisão, com programas muito próximos do povo e outros padres que estão naquelas TVs que são católicas, como TV Aparecida, como Rede Vida, como Século 21, como Canção Nova. A Canção Nova tem um trabalho de pregação, um trabalho de informação, um trabalho de oração muito grande. Então, esses canais de televisão, esses padres, eles fazem um bem muito grande à Igreja. Claro que existem críticas, existem diferenças de posição, mas nós não podemos fechar os olhos para essa realidade, essa realidade tão presente, essa realidade tão viva e onde esses homens e mulheres de Deus atuam ajudando e formando o povo de Deus.

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