
Em 1976, o escritor norte-americano Alex Haley, de raça negra, publicou uma obra que se tornou rapidamente best-seller: "Roots" - Raízes. Haley foi militar, serviu na Marinha norte-americana e, quando passou para a reserva, aos 37 anos de idade, estabeleceu-se como jornalista e escritor razoavelmente bem sucedido.
Haley recordava-se da tradição oral existente na sua família, a ele transmitida por algumas tias velhas que se lembravam de terem ouvido contar que um ancestral da família fora capturado na África, quando se afastara da aldeia nativa para cortar um tronco de árvore e fabricar um tambor. A tradição oral da família conservava o nome africano desse ancestral - Kunta Kinte -, o seu nome adotado nos Estados Unidos - Toby -, os nomes dos primeiros senhores que o escravo Kunta Kinte-Toby teve na América, algumas palavras e expressões do idioma africano, passados de geração em geração, e a lembrança de alguns poucos episódios da vida desse escravo.
A partir desses dados fragmentários e graças a uma bolsa que recebeu da editora do Reader's Digest, Haley pôde se dedicar à busca de suas raízes. Fez viagens à África, à Inglaterra, a diversos pontos dos Estados Unidos, consultou especialistas, arquivos, jornais da época em que os vários fatos se passaram. No total, pesquisou em 57 arquivos ou bibliotecas de três continentes, e levou, na pesquisa e na redação do livro, nada menos que 12 anos.
Inicialmente, graças a especialistas em idiomas africanos, ele conseguiu localizar o grupo linguístico a que correspondiam as palavras e expressões africanas de que se conservara a lembrança; conseguiu depois situar aproximativamente a região de onde deveria provir seu ancestral - as margens do rio Gâmbia - e, viajando para a Gâmbia, soube que Kinte era um nome muito frequente em duas aldeias do interior do país, as quais, segundo a tradição oral, haviam sido fundadas séculos atrás por dois irmãos, membros de um mesmo clã.
Haley procurou essas aldeias e, numa delas, teve uma longa conversação, por meio de um intérprete, com um griot. Os griots são cantadores que, de memória e por tradição oral, cantam a história das aldeias, dos clãs negros, das sucessivas gerações de seus moradores. Cada griot tem discípulos que ouvem a cantoria do mestre, aprendem-na de cor, e passam para a frente aquele precioso repositório de tradição não escrita. Quando um griot morre sem deixar discípulos é como se um arquivo inteiro tivesse sido destruído por um incêndio.
O griot consultado por Haley, após horas rememorando a história dos Kintes de passadas eras, chegou a um ponto em que, "quando os soldados do rei branco chegaram", um jovem, chamado Kunta, tendo saído para derrubar uma árvore a fim de fazer um tambor, desaparecera. Haley, emocionado, somente então abriu seu caderninho de notas cuidadosamente catalogadas, e mostrou que aquilo coincidia exatamente com o ponto inicial de sua pesquisa, ou seja o que ouvira das velhas tias. Quando traduziram para o griot o que dizia o norte-americano, o bardo abriu um largo sorriso. Houve então uma espécie de cerimônia, com danças tradicionais, e o distante membro do clã Kinte foi solenemente reintroduzido na sociedade tribal à qual sua família, embora distante, jamais deixara de pertencer. É o momento mais emocionante do livro.
Posteriormente, com base em registros da marinha inglesa e dos censos norte-americanos, Haley conseguiu documentar o histórico de sete gerações de sua família, desde Kunta Kinte até ele próprio, e escreveu um livro um tanto romanceado sobre as aventuras de seu pentavô.
Esse livro fez um sucesso extraordinário e teve inúmeras edições, em muitas línguas. No Brasil, foi publicado pela Record com o título de "Negras Raízes". Já em 1977 foi transformado em filme e depois em seriado de televisão. Na TV norte-americana, imediatamente se tornou recordista absoluto de audiência, conseguindo 130 milhões de telespectadores. Tanto o livro quanto o filme receberam diversos prêmios.
Embora haja quem pense que em Raízes o elemento ficção prepondere bastante sobre o elemento pesquisa genealógica, o fato é que esse livro contribuiu muito para despertar, em inúmeras pessoas, o gosto pela pesquisa das próprias raízes ancestrais.
Armando Alexandre dos Santos é doutor na área de Filosofia e Letras, membro da Academia Piracicabana de Letras e do IHGP.