Oregente Fhelipe Serafim, de 27 anos, da Orquestra de Câmara de Piracicaba, ganhou o prêmio principal da Academia Chnee, empatado com maestro Israel Cardoso.
Ao Jornal de Piracicaba, o regente relatou como iniciou sua paixão pela música clássica e traçou sua trajetória desde os primeiros contatos com obras de Beethoven até sua atuação como regente titular. Ele também compartilhou detalhes sobre sua formação, desafios na preparação de orquestras e as experiências marcantes em sua carreira, como a conquista recente em uma competição internacional de regência.
O entrevistado destacou a importância da Orquestra Educacional e da Orquestra de Câmara de Piracicaba, onde exerce diferentes funções. Ressaltou o papel social e cultural das iniciativas na formação de músicos e no acesso à música clássica na cidade. Ele ainda abordou as diferenças entre as duas orquestras e apresentou projetos voltados para ampliar o público, com programações que incluem trilhas sonoras e obras conhecidas.
Durante a entrevista, o maestro analisou o impacto da música clássica no desenvolvimento cultural e educacional de jovens e destacou o potencial de transformação que a experiência musical oferece, além de defender a ideia de que a música é acessível a todos, independentemente de condições sociais.
Conte um pouco da sua história e quando começou o seu interesse pela música clássica.
Quando criança, ficava com os olhos grudados na televisão nas cenas dos clássicos desenhos animados com música clássica. Mas não entendia nada, só fui começar entender e pesquisar quando mamãe comprou um computador e veio já não memória dele gravado o Segundo Movimento da Nona Sinfonia de Beethoven. Daí não teve volta, ouvi tantas vezes quantas consegui, pesquisei, procurei mais e acabei começando a estudar piano.
Como foi sua formação como regente, teve alguma experiência ou mentor que marcou sua trajetória?
Em 2015 comecei a estudar seriamente regência, já tocava violino na Orquestra Sinfônica Jovem de Jacareí há alguns anos e já tinha curiosidade mas em 2015 passei pouco mais de uma semana no 2° Festival Internacional de Música de Caraguatatuba e foram aulas todo dia. Dos alunos inscritos era o único inexperiente, a maioria já estava ma área há algum tempo, de modo que dificilmente eu teria alguma chance de no concerto reger a orquestra. Mas, apesar disso, me encaixaram e me deram o primeiro movimento de uma das peças para reger, da Suite St Paul de Holst. Descobri que regeria poucos minutos antes do ensaio começar e
não me lembro de muita coisa, afinal estava bem nervoso e enfiei a cara na partitura naqueles minutos que tinha, mas me lembro claramente do professor me dando um tapinha no ombro e dizendo “Não para!” logo antes de começar a reger.
Recentemente o senhor ganhou uma competição, enquanto regente. Qual competição foi essa e qual a importância dessa premiação?
Foi a Academia Chnee, ganhei o prêmio do principal empatado com Israel Cardoso. Em concursos como este há desde inscritos que estão começando seus estudos
até os que duas graduações, mestrado, doutorado, mas o que importa é a capacidade do regente de fazer música - técnica de gestual, técnica de ensaio, clareza do que pede, relação entre músico e maestro, assim por diante. Você não conhece a orquestra, tem ali 20 ou 30 minutos e tem que fazer funcionar. Isso tudo
dá a chance do regente mostrar sua capacidade tanto nas questões mais musicais quanto nas nem tão musicais.]
Quais são os desafios mais comuns que você enfrenta ao preparar uma orquestra para uma apresentação?
Noventa por cento dos problemas não são musicais. Somos todos humanos, cada um indivíduo complexo com sua história, experiência, muitas vezes com uma ideia da música já pronta na cabeça. Saber diminuir essas distâncias é um dos maiores desafios.
Existe algum compositor ou obra que tenha marcado sua vida profissional e pessoal?
Beethoven.
Qual o seu papel na Orquestra Educacional e na Orquestra de Câmara de Piracicaba?
Na Educacional sou Regente Assistente e Violinista e na Orquestra de Câmara sou o Regente Titular. O que diferencia as duas orquestras? Ambas são braços do mesmo corpo. A Educacional tem um lado social mais forte, ela consegue abraçar todo mundo, diferentes faixas etárias, diferentes níveis técnicos por conta da metodologia e arranjos de modo que qualquer um com o minimo de instrução consegue particupar. A Orquestra de Câmara, por outro lado, exige um pouco mais, tocamos apenas as músicas nas versões originais pensadas para a formação de cordas ela é um desafio àqueles 15 músicos da Educacional mais avançados.
Qual a importância da orquestra educacional para Piracicaba?
Um dos problemas que músicos que não vivem dessa profissão enfrentam é achar espaços ou grupos para tocar. Numa orquestra jovem, se você chegou a uma determinada idade tem que sair, ainda tem as profissionais mas a concorrência é altíssima, são poucas.
O que fazer com os músicos mesmo com um nível razoável?
Espaços como esse dão propósito, nesse sentido. Instrumentos de orquestra são “bichos sociais”, a música em conjunto, de câmara ou orquestral é imprescindível.
Sobretudo em Piracicaba que você tem inúmeros músicos e dos mais variados instrumentos, e muito disso credito ao casal Mahle, que desde a década de 50 ensinou, promoveu concertos, concursos, bolsas de estudo. Nem todos seguiram profissionalmente mas todos de alguma forma levam a música na sua vida.
O que diferencia a Orquestra de Câmara de Piracicaba da Orquestra Educacional?
Além do aspecto social, como comentei antes, o tamanho também, sem dúvidas. Hoje a Educacional conta com 86 músicos, com 11 contratados e 75 voluntários.
Como o senhor avalia o acesso à música clássica em Piracicaba?
Apesar de acessível, ainda sobra uma barreira. As pessoas não sabem disso ainda. Tem uma certa imagem de elitista que não condiz com a música. Música é para todos, não importa posição socioeconômica, status.
Na sua opinião, qual a melhor maneira de incentivar o jovem a conhecer a música clássica?
Costumo brincar que a maioria gosta, só não sabe que gosta; elas precisam descobrir. Recentemente, vi alguns streamers reagindo a música clássica, um que viralizou foi a reação a Nessun Dorma e as lágrimas chegam pra maioria pas pessoas. Mesmo sem entender italiano, aqui toca quem escuta.
O senhor tem projetos ou ideias que busquem atrair mais público?
Esse ano, temos a ideia de trazer algumas coisas interessantes e conhecidas do público como as Quatro Estações, de Vivaldi. Todo mundo conhece o primeiro movimento da Primavera. Trilhas sonoras também estão no planejamento. Isso aqui em Piracicaba. Em Americana estarei com a Sinfônica Municipal de lá numa série de concertos didáticos, faremos algumas trilhas famosas além de Pedro e o Lobo de Prokofiev, nessa peça o compositor mostra com bastante clareza e o auxílio de um narrador e personagens os diferentes instrumentos da orquestra.
Como você vê o papel da música clássica no desenvolvimento cultural e educacional das crianças e jovens?
Cada dia mais temos vivido momentos mais curtos, mais rápidos, tudo passa logo. Algumas sinfonias tem 30 minutos, outras 1 hora, as maiores, e mais raras, uma hora e meia. Você sair da correria cotidiana e sistematicamente focar durante um período nos ajuda a criar um foco, não ficar perdido em meio a tanta informação. Na etapa do crescimento, sobretudo, é fundamental para uma boa saúde emocional.