Passam-se os anos, apagam-se as velas e a História com H maiúsculo permanece vívida na rua Cinco de Novembro, em Tibiriçá, distrito de Bauru.
Por ali reúnem-se dezenas para celebrar não o feriado desta quarta-feira (20) em si - que se tornou nacional somente neste ano -, mas antes de tudo o Dia da Consciência Negra. Neste ano não foi diferente.
A festa começou no horário de almoço e se estendeu até a tarde. A bebida era a única coisa paga - todos têm direito ao almoço, uma bem servida feijoada,
O nome por trás disso tudo é Dulcineia Cosme Leizico, ou dona Dulce, cujos bisavós atravessaram o Rio São Francisco em busca de liberdade num país ainda marcado pela escravidão. "Eles foram sobreviventes", definiu durante entrevista ao JC.
Dulce conhece como ninguém essa história depois de passar anos ouvindo a trama ser contada pelo avô - que saiu de Resende, no Rio de Janeiro (RJ), para firmar residência em Tibiriçá.
"Tinha um compadre que rezava durante a fuga para que ninguém fosse pego pelos caçadores", lembra ao se referir à violenta busca pelos escravos que fugiam.
A festa já é tradição entre a família Leizico, também conhecida como família Baté em referência ao nome do pai de dona Dulce. "Sempre nos reunimos para celebrar, o que vem desde os nossos antepassados", explica.
Isso inclui também muita capoeira, luta de origem africana que surgiu no Brasil durante a escravidão como forma de resistência e defesa dos escravos.
Passava do meio-dia quando Dulce subiu da praça central do distrito acompanhada de dezenas de capoeiristas. Estava à frente de todos, liderando o grupo e com uma imagem de Zumbi dos Palmares nas mãos.
Os ânimos se intensificavam à medida que o grupo se aproximava. Nada de silêncio: muito batuque, dança e vários vivas a Zumbi dos Palmares e à família Baté marcaram o início da festa.
Que o diga o professor Alexandre Peixoto de Oliveira, que já acumula 28 anos de capoeira e participou em 2024 pela segunda vez da festa da família Baté. "É uma alegria tremenda", classifica.
Foi muito bem-vindo. As crianças que preparou para o evento deste ano, afinal, já pedem uma oficina de capoeira em Tibiriçá. "Vamos tentar", antecipou.
A festa desta quarta-feira incluiu também homenagens. Lideranças negras, indígenas ou mesmo brancas receberam medalhas por de alguma forma fazerem a diferença num Brasil plural por natureza.
Um deles foi o cacique Tito Terena, liderança indígena em Avaí e vereador eleito aos 72 anos. Conversou com o JC ao lado do filho Paulinho Paiakan, que também foi vereador no município e traduziu as declarações do pai, fluente no idioma Terena.
"Estamos com Deus e estamos presentes. Somos indígenas, mas trabalhamos por todos", disse Tito.
Além de um ode à Consciência Negra, uma homenagem especial foi dirigida à ciência através dos professores Nilton Key Hokama, Cris Murta e Paula Hokama, que contribuíram no projeto de vacinação em massa contra a Covid em Botucatu.
Eles também realizam um trabalho de conscientização sobre saúde preventiva nas escolas de Tibiriçá, convênio intermediado pelas professoras Ana Bia Andrade e Adriana Duarte, da Unesp Bauru.
"Se estamos aqui hoje, celebrando, é por causa da vacina. Um viva à vacina", disse Rosângela, irmã de dona Dulce, ao anunciá-los. "E um viva a Zumbi dos Palmares", acrescentou.