O câncer de ovário é a segunda neoplasia ginecológica mais comum, atrás apenas do câncer do colo do útero. Considerando todos os tipos de câncer, é o sétimo mais frequente entre as mulheres. Apesar disso, é um tumor raro e difícil de rastrear – estima-se que 70% das pacientes descobrem a doença em estágio avançado. Há décadas cientistas buscam formas de prevenção e as pesquisas mais recentes apontam para uma cirurgia simples e promissora: a salpingectomia, que consiste na retirada total das trompas.
Em 2023, a Agência Internacional para Pesquisa Sobre Câncer (IARC, na sigla em inglês) estimou que aproximadamente 313 mil novos casos de câncer de ovário foram diagnosticados em todo o mundo. A expectativa é de que esses números aumentem, com uma projeção de 371 mil novos casos por ano até 2035. A mortalidade é bastante significativa – cerca de 207 mil mortes são atribuídas a essa doença anualmente.
No Brasil, o Instituto Nacional de Câncer (INCA) calcula que, a cada ano do triênio de 2023 a 2025, haverá 7.310 novos casos desse câncer. Isso corresponde a 6,62 novos casos a cada 100 mil mulheres no país. “O câncer de ovário representa uma das principais causas de morte por câncer em mulheres devido -a ausência de sintomas nas fases iniciais, dificuldades para sua identificação na população, detecção tardia, além das características biológicas de alta agressividade”, afirma o ginecologista e oncologista Renato Moretti, do Hospital Israelita Albert Einstein.
A doença é mais comum em mulheres após os 60 anos. A terapia de reposição hormonal (especialmente com estrogênio isolado) por longos períodos após a menopausa pode aumentar o risco. Endometriose, obesidade, histórico familiar de câncer, incluindo de ovário, mama, colorretal ou endometrial, também são fatores de risco para a doença. “Mas o principal risco ocorre entre portadoras de mutações genéticas herdadas nos genes BRCA1 e BRCA2. Elas têm risco de 10% a 60% de desenvolver câncer de ovário durante a vida”, alerta Moretti.
Subtipos diferentes
O câncer de ovário apresenta subtipos, que variam em termos de características biológicas, comportamento clínico e resposta ao tratamento. Cada subtipo tem implicações diferentes em termos de prognóstico, tratamento e sobrevida. Eles são classificados principalmente com base no tipo de célula em que se originam, sendo que os tumores serosos de alto grau são os mais agressivos e letais.
Segundo Moretti, evidências científicas sugerem que danos genéticos e processos inflamatórios originam células atípicas nas trompas que podem semear o abdômen e o ovário, transformando-se em células danosas. “As células das trompas podem se transformar em células cancerosas e migrar para o ovário. Ao remover as trompas, reduz-se a probabilidade dessas células malignas se espalharem”, explica.
Essa é uma alternativa menos radical do que a retirada dos ovários e útero, por exemplo. De acordo com o ginecologista, a retirada dos ovários leva à menopausa precoce, o que pode causar efeitos colaterais significativos, como osteoporose, doenças cardíacas e sintomas vasomotores, como ondas de calor e suores noturnos.
Salpingectomia oportunista
A salpingectomia oportunista envolve a remoção das trompas de falópio, deixando os ovários intactos. A indicação dessa cirurgia como estratégia de prevenção surgiu depois que cientistas descobriram que o subtipo mais comum de câncer de ovário (seroso de alto grau) começa justamente nas trompas. Esse subtipo representa cerca de 90% dos casos da doença. Antes, acreditava-se que os cânceres de ovário se originavam nos ovários.
Um dos estudos comprovando os benefícios da retirada profilática das trompas foi feito por uma equipe de pesquisadores da Universidade de Colúmbia Britânica, no Canadá, e publicado em 2022 no Jama Network Open. Os cientistas avaliaram dados de 25 mil mulheres que passaram pelo procedimento entre 2008 e 2017 e compararam essas informações com um grupo controle, composto por 32 mil mulheres que passaram por histerectomia isolada ou laqueadura tubária, durante o mesmo período.
Nesse estudo, a turma que fez a salpingectomia teve significativamente menos cânceres de ovário serosos e epiteliais do que o esperado de acordo com a taxa em que surgiram no grupo controle. “Esses achados sugerem que o procedimento está associado à redução do risco de câncer de ovário”, observa Moretti.
Diante dessas evidências, em fevereiro de 2023, a Aliança para Pesquisa em Câncer de Ovário dos Estados Unidos passou a recomendar que a salpingectomia seja realizada em momentos oportunos, durante outras cirurgias ginecológicas de rotina, como histerectomia ou laqueadura. A ideia não é sair operando todo mundo, mas sim beneficiar qualquer mulher que for submetida a uma cirurgia pélvica, mesmo que ela não seja considerada do grupo de alto risco. Dessa forma, elas estariam prevenindo a doença.
Isso é importante, explica Moretti, porque ainda não existe um método eficaz de rastreamento para o câncer de ovário que seja amplamente recomendado, ao contrário do que ocorre com outros cânceres femininos – como o de mama, que tem a mamografia como excelente forma de rastreio, e o de colo de útero, cujo rastreio ocorre pelo exame regular de Papanicolau.
Diretrizes brasileiras
No Brasil, ainda não existe uma diretriz oficial indicando a salpingectomia profilática, mas ela tem ganhado aceitação e se tornado uma prática cada vez mais recomendada em alguns contextos clínicos, especialmente com base nos estudos internacionais que demonstram a eficácia desse procedimento na redução do risco de câncer de ovário. Por isso, várias sociedades médicas e ginecologistas do país recomendam a salpingectomia profilática para determinados grupos de mulheres.
Desde 2018, a Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia (Febrasgo) tem se debruçado em definir orientações clínicas sobre o tema. Em 2020, a entidade publicou um artigo sugerindo a salpingectomia oportunista (no momento da laqueadura ou da histerectomia) como uma cirurgia de baixo risco eficaz para a profilaxia do câncer de ovário.
“A recomendação oficial pode evoluir conforme novas evidências científicas surgirem. Na prática, muitos ginecologistas brasileiros já oferecem a salpingectomia profilática como uma opção para mulheres de alto risco e durante cirurgias ginecológicas, considerando a estratégia como um meio de reduzir o risco de câncer de ovário”, destaca Renato Moretti.
Fonte: Agência Einstein