“Se comer, não dirija”: já virou meme o recente estudo da Pró-Teste - Associação Brasileira de Defesa do Consumidor que apontou a presença de etanol no pão de forma industrializado, devido ao conservante anti-mofo borrifado com álcool sobre o produto para que ele dure mais nas gôndolas e prateleiras.
O assunto, porém, é sério: algumas marcas chegam a apresentar volumes de etanol que, pela ingestão, poderiam levar à alcoolemia, a concentração de álcool no sangue resultante do consumo de bebidas. O Detran se manifestou sobre o assunto.
Vendidos em supermercados, armazéns e mercearias, esses produtos podem representar risco à saúde de crianças e de consumidores que possuam problemas hepáticos, entre outras condições. Já para quem está ao volante e é confrontado com o etilômetro, o famoso bafômetro, não há qualquer prejuízo, ao contrário do que tem se propagado. Aqui, o único risco é de desinformação, como deixam claro especialistas em medicina, nutrologia e trânsito.
Em primeiro lugar, é importante ressaltar que a pesquisa da Pró-Teste não fez qualquer experimento com o aparelho usado para medir a alcoolemia em motoristas. Qualquer relação entre a ingestão de pão de forma e o teste positivo no etilômetro é uma inferência, como o próprio estudo diz: “Poderíamos inferir que a contribuição de massa em gramas de álcool de 2 fatias da amostra analisada das marcas (...) poderia incorrer em riscos a motoristas em testes de bafômetros”.
De fato, quem acabou de comer um sanduíche de pão de forma pode ter um resultado positivo no teste, se confrontado com um etilômetro em uma Operação Direção Segura Integrada (ODSI), ação de educação e fiscalização que o Departamento Estadual de Trânsito de São Paulo (Detran-SP) realiza para conscientizar motoristas e evitar acidentes.
A pesquisa mostra que, no caso de três marcas atuantes no mercado, duas fatias reúnem mais álcool do que o tolerado pelo equipamento. Mas se trata de um “falso positivo”, que também pode acontecer com o consumo de bombons de licor, vinagres, enxaguantes bucais e outros produtos com álcool.
Volátil, de fácil evaporação, esse etanol é eliminado pelo organismo em questão de minutos. Assim, ao repetir o exame, possibilidade que o artigo 306 do Código de Trânsito Brasileiro (CTB) assegura como direito à contraprova, o condutor testará negativo.
“Quando a gente ingere alimentos com etanol, a nossa cavidade bucal fica repleta de álcool. Esse álcool, no entanto, é dissipado a partir da interação com o ar, e deixa de ser detectado em dez, no máximo 15 minutos”, diz Alysson Coimbra, médico do tráfego e membro do Observatório Nacional de Segurança Viária, organização sem fins lucrativos, reconhecida pelo Ministério da Justiça por sua atuação pela redução de sinistros e pela defesa da vida no trânsito.
“Se você comeu pão em casa, não se preocupe. Até tirar o carro da garagem e ser parado por uma autoridade de trânsito, já terá passado o tempo necessário para que o álcool evapore.”
A médica nutróloga Eline de Almeida Soriano, professora dos cursos de pós-graduação e diretora da Associação Brasileira de Nutrologia (Abran), ratifica a orientação dada por Alysson. Segundo ela, o álcool que fica na boca e nas vias respiratórias por alguns minutos, depois do consumo de alimentos ou produtos com álcool, é residual e superficial, e, além do ar, a própria saliva ajuda a dissipá-lo.
“O bafômetro mede a concentração de etanol presente no ar exalado dos pulmões, que reflete a quantidade de álcool no sangue. Se, por algum motivo, há detecção inicial de etanol no bafômetro após o consumo de pão de forma, ela seria tão pequena que logo se dissiparia, não resultando em uma leitura positiva em um teste posterior. Isso ocorre porque o álcool do pão de forma não permanece na boca ou nas vias respiratórias de forma significativa”, afirma Eline.
A nutróloga também afasta a ideia de que alguém que se disponha a devorar um pacote de pão de forma possa ficar embriagado. “O corpo humano metaboliza pequenas quantidades de álcool muito rapidamente. A quantidade de 1,69 g de etanol, encontrada em duas fatias de uma determinada marca, é logo metabolizada pelo fígado, impedindo a acumulação de álcool no sangue em níveis que causariam embriaguez”, diz. “Para efeito de comparação, uma cerveja de 350 ml contém aproximadamente 14 g de álcool e não causa alterações profundas da cognição.”
Álcool no pão: de onde vem
Os pães de forma que compramos em supermercados e outros estabelecimentos comerciais são produtos multiprocessados, que passam por diversos processos industriais até chegar à nossa mesa. Um desses processos, feito antes da embalagem do produto, é borrifá-lo com conservantes anti-mofo, como o propionato de cálcio, capazes de ampliar o prazo de validade do produto e evitar que ele estrague pelo caminho. Em um país quente como o Brasil, pesquisas mostram que a perda de mercadorias por motivos como mofo chega a 10% da produção total.
É aí que o álcool volta a entrar na história – afinal, vale lembrar que pães produzem etanol naturalmente durante a fermentação da massa, e que esse álcool evapora quase completamente quando o produto vai ao forno. Para que sejam aplicados sobre o pão, os conservantes anti-mofo são antes diluídos em álcool. A mistura é, então, aspergida sobre os produtos.
De acordo com o estudo da Pró-Teste, “o álcool usado para a diluição do conservante deve ser evaporado até o consumo em si do pão, mas, se houver um abuso na quantidade do anti-mofo ou em sua diluição, isso pode não ocorrer e ocasionar em um pão com um teor de etanol muito elevado”.
Para José Heverardo da Costa Montal, diretor da Associação Brasileira de Medicina de Tráfego (Abramet), a discussão em torno do pão de forma industrializado deve jogar luzes sobre outra questão: a necessidade de regulamentar as informações contidas em embalagens de alimentos passíveis de sofrer processo de fermentação na sua fabricação.
“Este é um ponto que me parece fulcral e que deve merecer atenção por parte da sociedade e do Estado. Está nos planos da Abramet aprofundar estudos sobre o tema”, diz.
ODSI: o direito à contraprova
A combinação de álcool e volante pode ser fatal. Por isso, autoridades do sistema de trânsito realizam operações, em todo o país, para conscientizar os motoristas da importância de dirigir com sobriedade.
Chamadas popularmente de blitz, as operações preventivas realizadas em São Paulo pelo Departamento Estadual de Trânsito (Detran-SP), órgão vinculado à Secretaria de Gestão e Governo Digital (SGGD), têm o nome de Operação Direção Segura Integrada (ODSI) e são realizadas em parceria com as polícias Militar, Civil e Técnico-Científica.
Na rua em diversas dessas ações, o coordenador da ODSI na capital, Marcelo Reis, percebe, no diálogo com os condutores, que a operação é bem compreendida pela população. Ele teme que notícias falsas a respeito do teste do bafômetro prejudiquem a leitura que é feita da ODSI pelo cidadão.
“Desinformações sobre o teste do etilômetro podem desvirtuar a maneira como a população entende a ODSI, vista como uma ação positiva, que existe para criar consciência e prevenir acidentes”, diz Marcelo. “Exceto por alguns casos de motoristas que são flagrados alcoolizados e autuados, e por isso respondem mal, a reação à nossa abordagem é sempre a melhor possível. As pessoas compreendem o nosso papel em defesa da segurança no trânsito.”
Marcelo conta que o rito da ODSI é parar o veículo, abordar o motorista e então convidá-lo a soprar o bafômetro. Se o teste der negativo, o condutor é liberado. Se der positivo, o motorista deve encostar o carro e aguardar para a realização de um exame com a Polícia Militar – quando é obtido o novo resultado.
O condutor também pode se recusar a soprar o etilômetro, isso é inclusive previsto em lei. Vale lembrar que tanto dirigir sob efeito de álcool - quando o teste do etilômetro aponta o índice de até 0,33 mg de álcool por litro de ar expelido – quanto recusar-se a soprar o bafômetro são consideradas infrações gravíssimas, segundo os artigos 165 e 165-A do Código de Trânsito Brasileiro (CTB), respectivamente.
Em ambos os casos, o valor da multa é de R$ 2.934,70 e o condutor responde a processo de suspensão da carteira de habilitação. Se houver reincidência no período de 12 meses, a multa é aplicada em dobro, ou seja, no valor de R$ 5.869,40. No caso da autuação por direção sob efeito de álcool, quando há nova ocorrência durante o período de suspensão da CNH, além da multa em dobro, o motorista responderá ainda a processo administrativo que poderá culminar na cassação do seu direito de dirigir, se forem esgotados todos os meios de defesa. Neste último caso, ele terá de reiniciar todo o processo de habilitação para voltar a dirigir - e somente após transcorrido o prazo de 24 meses depois da cassação.
Já os casos de embriaguez ao volante, quando os motoristas apresentam índice a partir de 0,34 miligramas de álcool por litro de ar expelido no teste do etilômetro, são considerados crimes de trânsito. Os motoristas flagrados nessa situação são conduzidos ao distrito policial. Se condenados, além da multa de R$ 2.934,70 e da suspensão da CNH, eles poderão cumprir de seis meses a três anos de prisão, conforme prevê a Lei Seca, também conhecida como “tolerância zero”.
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