ARTIGO

O divino no humano


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Alertaram-nos, os sábios, tão logo as maravilhas da internet tornaram-se parte do cotidiano das populações. Que poderia acontecer o lento atrofiamento da inteligência humana. Por deixar de pensar. De refletir. E, atualmente, a preocupação mundial volta-se para crianças e adolescentes. Pois, segundo estudos dos especialistas, jovens têm ficado, em média, cinco horas diárias aprisionados a celulares e computadores.

 Justificavam-se cuidados e atenções, ao acontecer mudanças atropeladoras do que se pensava consolidado. A incrível capacidade de adaptação do ser humano já deveria ter-nos ensinado estar num mundo sujeito a ventos que sopram de fora. De tal forma, ideias estreitas desviam-nos de julgamentos sobre coisas e acontecimentos que, paulatinamente, nos apartam do trato social. Até dentro de casa, o outro, o próximo se distancia.

 Toda transição é, ao mesmo tempo, desafiante e interrogadora. Carrega esperança mas, também, dificuldades e decepções. Por mais busquemos, através de milênios, desvendar o mistério da criação, não há mais como negar o “primeiro motor imóvel”. Muito antes da era cibernética, nossos ancestrais latinos já sabiam: “ex nihilo nihil fit”, nada surge do nada. Logo, houve admitir – e até mesmo criar – a divindade. Muitos e muitos deuses, até o advento do monoteísmo: “um só Deus, criador de todas as coisas”. E povos reverenciaram Eloim, Jeová, Javé, Deus Pai, Jesus, o Filho. Não há, pois, como não crer sejamos frutos do divino, criaturas de um Criador indecifrável. E indefinível.

 Em sendo assim, há o divino no humano. Apesar da estupidez que nos leva a cometer desatinos próximos ao diabólico. Criamos ciência, filosofia, superstições, religiões, culturas, técnicas como fôssemos herdeiros da(s) divindade(s). Logo, acreditando-se rei do universo, o humano acaba por se considerar um pequeno deus. Não é como se comportam os tiranos, ditadores, déspotas? Louis XIV, o Rei Sol, é, ainda, um dos principais símbolos do poder absoluto. Dentre suas afirmações imperiais: "É somente na minha pessoa que reside o poder soberano”.

 Não à toa, o escrevinhador bíblico assegurou ser, o humano, constituído “à imagem e semelhança de Deus”. E complicou tudo. Pois onde, no divino, haveria a maldade, crueldades, ódios, guerras? Coisas do demônio, há quem o diga. E complica ainda mais. De tal forma que se reconheceu não ter sido, o homem Jesus, “impecável”. Pois foi tentado, como se o maligno soubesse que, em sua humanidade, ele seria vulnerável. “Pai, afasta de mim esse cálice”. E, “não nos deixeis cair em tentação”. Deixou-nos, pois, a lição, o exemplo de resistência. Um testemunho de reconciliação do divino com o humano.

Como não reconhecermos sejamos parte do Mistério? Independentemente de religiões, de crenças, a inteligência humana tem, pelo menos, a intuição do princípio, do “continuum”. E do fim. Apenas este, o depois, foge-nos ao entendimento. Querer saber, no entanto, é desprezar esse privilégio único de ter vindo e ainda estar aqui. Por que, pois, esperar por outra oportunidade, perdendo a que já ganhamos? Somos condôminos do Éden.

O divino está diante dos olhos, aos ouvidos, imagens e sons. Olhar uma criança dormindo, a paisagem, desenhos inimitáveis de nuvens que passam, sorrisos das pessoas – eis o belo no cotidiano de cada um. Basta querer sentir. Pensar também com o coração. Reporto-me ainda outra vez – e sei haver de fazê-lo novamente – à oração judaica também assumida pelo cristianismo: “Bendito sejais pelos frutos da terra e pelo trabalho do homem.” Uma síntese da gratidão.

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