MORTANDADE DE PEIXES

'Multa não basta': quais as penas para morte no Rio Piracicaba

Por Roberto Gardinalli | roberto.gardinalli@jpjornal.com.br
| Tempo de leitura: 8 min
Arquivo/JP

No dia 7 de julho de 2024, o Rio Piracicaba se tornou o centro das atenções mais uma vez. O assunto, porém, não foi a profundidade da água, que está abaixo da média para a época e que revela as pedras que repousam sobre o leito. Não foi, também, início da Festa do Divino Espírito Santo, que tem o rio como um dos principais protagonistas da celebração. O assunto, desta vez, foi trazido pela correnteza que ainda passa pelo principal manancial da cidade: milhares de peixes mortos surgiram nas margens do rio.

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Segundo a Cetesb (Companhia Ambiental do Estado de São Paulo), a causa da morte dos peixes foi o despejo irregular de poluentes causados por uma usina de produção de álcool e açúcar na cidade de Rio das Pedras. O laudo inicial da investigação apontou que os resíduos da produção foram despejados no Ribeirão Tijuco Preto, que deságua no Rio Piracicaba. Ainda segundo a Cetesb, a fonte poluidora foi suprimida e não há mais poluentes sendo despejados. Em coletiva de imprensa realizada na última quarta-feira (10), o prefeito Luciano Almeida (PP), em sua fala, citou que vai exigir o repovoamento do rio. Já a Cetesb, informou que a multa para o responsável deve chegar aos R$ 50 milhões. O Ministério Público também foi acionado.

Agora, as autoridades aguardam a finalização das análises da Cetesb para tomarem as medidas cabíveis. Para o professor Paulo Affonso Leme Machado, referência no Direito Ambiental brasileiro, não basta para a empresa sofrer apenas a multa por conta do despejo dos poluentes. “Não basta a sanção de multa a ser aplicada pela Cetesb. Há uma lei penal que precisa ser aplicada no caso”, disse. Segundo o especialista, a penalidade deve ser aplicada com base no artigo 54 da Lei Federal 9.605/1998, que trata da pena que deve ser aplicada em casos de poluição que resultem ou possam resultar em danos à saúde humana ou que causem a morte de animais ou destruição da flora local. A pena ao responsável, em caso de condenação, é de 1 a 4 anos de prisão mais multa.

Para o professor, há dolo eventual no lançamento dos efluentes pela empresa no Tijuco Preto. Por isso, é necessário que a punição penal seja aplicada. “Sem qualquer dúvida o comportamento da empresa, através de seus funcionários e da pessoa jurídica proprietária, precisa ser punida penalmente, pois, o dolo eventual está presente no lançamento dos poluentes, tendo o agente assumido o risco de produzir o resultado da morte dos peixes e a poluição das águas do rio Piracicaba”, disse. “Necessária e justa a promoção do repovoamento dos peixes dizimados pelo lançamento de substâncias poluentes no rio”, completou.

Para além das questões legais que permeiam o caso, o professor Paulo Affonso fala como um cidadão, que acompanhou um dos casos mais impactantes relacionados à natureza de Piracicaba. “Poluir e desvirtuar as águas desse histórico rio é atacar e desprezar cada ser que mora nesta terra tão hospitaleira e tão cativante”, disse.

Paulo Affonso Leme Machado é advogado e Promotor de Justiça aposentado. Foi professor de Direito Ambiental da Unesp de Rio Claro e da Unimep (Universidade Metodista de Piracicaba, além de ter lecionado entre 1986 e 2003 na Universidade de Limoges, na França. É doutor em Direito pela PUC São Paulo e doutor Honris Causa pela Vermont Law School (Estados Unidos), pela Universidade de Buenos Aires, pela Universidade Federal da Paraíba e pela Unesp. É autor do livro Direito Ambiental Brasileiro, que está na 30ª edição, e é reconhecido como um dos principais trabalhos da área de estudo no Brasil. Confira a entrevista de Paulo Affonso Leme Machado ao Jornal de Piracicaba.

O Rio Piracicaba foi acometido por um desastre ambiental no último domingo, 7 de julho, quando milhares de peixes apareceram mortos, boiando às margens do principal manancial da cidade. Gostaria de saber a sua visão com relação a esse acontecimento. Qual foi a sua reação ao saber da mortandade?
O Rio Piracicaba faz parte da história da própria cidade de Piracicaba. Quem vive aqui sente carinho por esse rio, olha com ternura para seus peixes e vibra com o Salto do rio Piracicaba. Poluir e desvirtuar as águas desse histórico rio é atacar e desprezar cada ser que mora nesta terra tão hospitaleira e tão cativante.

As análises da Cetesb mostraram que poluentes foram lançados por uma usina de álcool e açúcar de Rio das Pedras em um ribeirão que deságua no Piracicaba. O primeiro resultado aparente do lançamento foi a morte dos peixes. Mas, quais são as outras consequências ambientais desse desastre?
A empresa que agride o rio Piracicaba não causa só a morte dos peixes apreendidos. Esse poluidor ofende a qualidade das águas, de que tanto precisamos. Como afirma a Lei de Política Nacional do Meio Ambiente, de 1981, “o meio ambiente é o conjunto de condições, leis, influências e interações de ordem física, química, e biológica, que permite, abriga e rege a vida em todas as suas formas.” Sem águas de qualidade nós humanos e os seres não humanos não vivemos!

A Cetesb fala em toneladas de peixes mortos, mas ainda não conseguiu mensurar o tamanho do estrago. Num primeiro momento, a associação SOS Rio Piracicaba, que trabalha na conscientização da preservação do rio, estimou ao menos 12 toneladas de peixes mortos.
Necessária e justa a promoção do repovoamento dos peixes dizimados pelo lançamento de substâncias poluentes no rio. Felizmente a sociedade civil piracicabana estruturou-se para proteger o Rio Piracicaba, não ficando inerte perante costumeiras agressões contra a natureza.

Em coletiva de imprensa realizada após o caso, o prefeito Luciano Almeida falou em exigir que a empresa responsável faça o repovoamento do rio com a soltura de alevinos. Essa medida é eficiente nesse caso?
O repovoamento do rio Piracicaba deve ser tentado. Em processo judicial na Comarca de Novo Horizonte, neste Estado, de que participei como Promotor de Justiça, a empresa poluidora foi condenada a proceder a introdução de alevinos no rio que havia sido atingido pela ação poluidora. Não tenho elementos concretos, contudo, para opinar sobre a eficácia daquele procedimento, pois não mais retornei àquela localidade.

A Cetesb citou que, provavelmente, o responsável será enquadrado no Artigo 61 do decreto 6514, que trata, entre outros pontos, sobre a poluição da natureza. Dá para estimar qual seria a punição plausível para a empresa citada?
Transcrevo o artigo 61 do Decreto Federal n° 6514, artigo 61: “Art. 61. Causar poluição de qualquer natureza em níveis tais que resultem ou possam resultar em danos à saúde humana, ou que provoquem a mortandade de animais ou a destruição significativa da biodiversidade: Multa de R$ 5.000,00 (cinco mil reais) a R$ 50.000.000,00 (cinquenta milhões de reais). Parágrafo único.  As multas e demais penalidades de que trata o caput serão aplicadas após laudo técnico elaborado pelo órgão ambiental competente, identificando a dimensão do dano decorrente da infração e em conformidade com a gradação do impacto”. 
Acredito que a Cetesb deva ter elaborado um laudo técnico para fazer a afirmação contida na pergunta. Dessa forma, a punição pecuniária deverá ser elevada, como prevê o Decreto Federal citado.

Além desse caso do rio Piracicaba, em março de 2024, a mesma empresa foi multada pelo corte de árvores nativas em uma APP em Rio das Pedras, às margens do Ribeirão Tijuco Preto. Esse histórico pode agravar a punição nesse caso? A empresa pode perder a licença de operação por conta desses dois casos?
A pergunta noticia que a Empresa foi multada pelo corte de árvores nativas em uma APP (Área de Preservação Permanente) nas margens do Ribeirão Tijuco Preto. Danificar uma APP é grave, pois essa vegetação arbustiva é essencial para filtrar os possíveis poluentes das águas, provenientes dos terrenos circunvizinhos do curso de água. Espero que a Cetesb – órgão ambiental estadual – aja com independência, firmeza e legalidade para proteger o rio Piracicaba.
A multa é resultado do princípio poluidor-pagador contido no art.4º, VII da Lei 6.938/1981 – Lei de Política Nacional do Meio Ambiente: “Imposição, ao poluidor e ao predador, da obrigação de recuperar/ou indenizar os danos causados”.

Por fim, na sua opinião, é necessário tornar as medidas punitivas e fiscalizações mais rígidas para evitar esse tipo de desastre ambiental? O que o senhor acha que precisa ser aprimorado ou incluído na legislação?
Não basta a sanção de multa a ser aplicada pela Cetesb. Há uma lei penal que precisa ser aplicada. No caso, a Lei federal 9.605/1998 – artigo 54: “Causar poluição de qualquer natureza em níveis tais que resultem ou possam resultar em danos à saúde humana ou que provoquem a mortandade de animais ou a destruição significativa da flora: pena – reclusão de 1 (um) a 4 (quatro anos) e multa”.
Sem qualquer dúvida o comportamento da empresa, através de seus funcionários e da pessoa jurídica proprietária, precisa ser punida penalmente, pois, o dolo eventual está presente no lançamento dos poluentes, tendo o agente assumido o risco de produzir o resultado da morte dos peixes e a poluição das águas do rio Piracicaba.
Ao finalizar esta entrevista, saliento que o quadro legal ambiental brasileiro está aparelhado para enfrentar a poluição. Além disso, brasileiras e brasileiros, piracicabanas e piracicabanos estamos confiantes que os Procuradores Jurídicos, os integrantes dos Ministérios Públicos Estadual e Federal e os Juízes de todas as instâncias têm independência, sabedoria e sensibilidade de restaurarem o meio ambiente ferido e aviltado. Então teremos um Município, um Estado e um País onde os direitos ambientais para estas e futuras gerações são realmente aplicados e respeitados.

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Comentários

1 Comentários

  • ALEXANDRE VENDEMIATTI 12/07/2024
    Cadeia eu duvido, mas além da multa ter a obrigação de apresentar plano de recuperação ambiental de acordo com o tamanho do dano causado, com a fiscalização e monitoramento da sociedade em tempo real da aplicação desse plano.