ALEXSANDRO STENICO

‘Produções audiovisuais ajudam para uma sociedade mais inclusiva’, diz cineasta

Por Fernanda Rizzi | fernanda.rizzi@jpjornal.com.br
| Tempo de leitura: 7 min
Divulgação

O cineasta Alexsandro Stenico, natural de Piracicaba e formado em Rádio e TV pela Unesp (Universidade Estadual Paulista), tem se destacado no cenário audiovisual com sua obra “O Armário Não É o Nosso Lugar”, que foi premiado como melhor documentário longa-metragem no 2° Festival Nacional de Cinema de Lages. Além disso, também ganhou reconhecimento pela sua contribuição na luta contra a LGBTfobia, em uma sessão solene na Câmara Municipal de Piracicaba.

Diante da falta de representatividade e discussões sobre questões sociais, ele mesmo acabou associando ser LGBTQIA+ a algo negativo durante o processo de aceitação. “Escondi a minha verdadeira identidade durante a infância e adolescência. Controlei meus trejeitos e modo de falar, resultando na supressão da minha autenticidade por anos”, conta ele.

Com o desejo de continuar realizando produções audiovisuais em temáticas sociais, ele acredita que a arte pode se tornar uma das ferramentas de comunicação para contribuir com uma sociedade mais inclusiva.

Aos 27 anos, Stenico compartilha com o Jornal de Piracicaba a sua paixão pelo cinema, lições que o documentário tem lhe proporcionado, desafios que a comunidade LGBTQIA+ pode enfrentar ao buscar aceitação em diferentes ambientes e como aprende todos os dias ainda mais com pessoas que já passaram por processos semelhantes aos seus.

Como surgiu a sua paixão pelo cinema? Minha paixão pelo cinema tem raízes na minha infância, onde sempre fui fascinado por filmes e séries. Muitas das minhas recordações mais queridas envolvem os momentos em que íamos à locadora alugar filmes para assistir em família. Esse ritual, especialmente compartilhado com minha mãe, que também adorava filmes de terror, marcou profundamente minha relação com o cinema.

Além desse contexto cinematográfico, sempre fui uma pessoa criativa, apaixonada por arte e ativa em eventos culturais e artísticos. Desde pequeno, minha natureza inclinava-se para trabalhos dinâmicos e coletivos, levando-me a participar ativamente na organização de festas, eventos temáticos e atividades esportivas na escola. O cinema tornou-se a plataforma ideal para aplicar minha aptidão e personalidade no trabalho, pois encontrei nessa arte uma oportunidade de envolvimento dinâmico e colaborativo.

O cinema se tornou minha escolha profissional porque nunca me vi envolvido em um trabalho rotineiro e solitário. Identifiquei-me com a natureza colaborativa e em constante movimento da indústria cinematográfica, o que motivou minha decisão de seguir essa carreira apaixonante.

Como nasceu a ideia de criar o documentário “O Armário Não É o Nosso Lugar”? A inspiração por trás da concepção do projeto “O Armário Não É o Nosso Lugar” reside na minha própria jornada como pessoa LGBTQIA+. A ausência de representatividade e a falta de diálogo sobre a temática foram desafios que me impediram de compreender e aceitar plenamente minha identidade LGBT. Ao longo de toda a infância e adolescência, ocultei quem realmente era. A libertação desse fardo e a minha decisão de assumir minha identidade gay aconteceram somente quando me mudei de cidade para estudar na Unesp de Bauru, um ambiente mais acolhedor para mim.

Quando chegou o momento de realizar meu trabalho de conclusão de curso, refleti sobre minha trajetória na Unesp e percebi que um dos momentos mais significativos da minha vida foi a minha aceitação como gay. Motivado por essa experiência pessoal, decidi criar um produto audiovisual dedicado à comunidade LGBTQIA+ como meu TCC. O propósito desse projeto era não apenas retratar minha própria história como pessoa LGBTQIA+, mas também dar voz a outras experiências. Além disso, buscava fornecer apoio para aqueles que estivessem passando pelo processo de compreensão e aceitação de suas diversas sexualidades, enfrentando as mesmas dificuldades que eu vivenciei durante a infância e adolescência.

Quais foram os principais desafios enfrentados durante a realização do documentário, especialmente ao lidar com as histórias sensíveis da comunidade LGBTQIA+? A principal adversidade que enfrentamos durante a realização do documentário, foi a inexperiência da equipe em projetos de tal proporção, sobretudo com o respaldo de um edital como o ProAC. O filme foi gravado em cinco cidades, envolvendo nove personagens, e contou com um orçamento alto para a produção, algo novo para todos nós. Porém, ao longo do processo, o orçamento acabou sendo insuficiente para a realização de tudo que queríamos, sendo a falta de verba outro desafio. Apesar disso, a equipe de produção era composta por amigos próximos, o que se revelou fundamental para que pudéssemos nos apoiar mutuamente e concretizar a produção da melhor forma possível.

No que diz respeito à abordagem das histórias sensíveis das pessoas da comunidade LGBTQIA+, nosso foco sempre foi criar um ambiente propício para que os entrevistados se sentissem à vontade para compartilhar suas experiências de maneira espontânea e natural. Para isso, optamos por gravar as entrevistas nas casas dos próprios entrevistados ou em locais que fossem confortáveis para eles. Ao chegarmos para as gravações, iniciávamos conversas informais sobre temas diversos, buscando estabelecer uma conexão mais íntima enquanto o cenário era preparado. Além disso, sempre deixávamos claro que o espaço era deles, encorajando-os a falar livremente e também a se sentirem à vontade para não responderem a alguma pergunta, respeitando sempre a sensibilidade e a individualidade de cada um.

Como tem sido a receptividade do público nas diferentes cidades por onde o documentário foi exibido até agora? Tem sido geralmente positiva. No entanto, vale ressaltar que grande parte do público desses espaços é composta por indivíduos LGBTQIA+, já familiarizados com o tema, o que contribui para uma acolhida calorosa. Minha esperança é que o filme alcance um público mais amplo, incluindo aqueles fora da comunidade, uma vez que a conscientização e empatia em relação a essas questões são essenciais para combater a violência direcionada à comunidade LGBTQIA+. Acredito que a abordagem artística do nosso filme pode ser uma ferramenta eficaz para esse propósito.

Qual foi o impacto mais significativo que o projeto teve em sua própria visão sobre a diversidade e as experiências LGBTQIA+ durante o processo de criação? Foi a percepção de quão limitado era meu entendimento sobre sexualidade. Essa constatação não se restringe apenas a mim, mas estende-se à equipe de produção, composta integralmente por membros LGBTQIA+. Costumo dizer que, a cada reunião, a cada gravação, a cada entrevista, estávamos todos cada vez mais “saindo do armário”, o que desencadeou debates mais profundos sobre nossas próprias vivências como pessoas LGBTQIA+.

Esse processo de autoexploração transformou significativamente toda a equipe, e atualmente, continuamos a aprender e evoluir a cada evento realizado. A jornada de criar este projeto não apenas ampliou nosso entendimento sobre a diversidade de experiências LGBTQIA+, mas também nos motivou a aprofundar constantemente nossos conhecimentos e perspectivas.

Como cineasta e defensor da diversidade, como você enxerga o papel do audiovisual na promoção da representatividade e no combate à discriminação? Em um cenário atual em que o audiovisual permeia todos os aspectos da nossa vida, especialmente devido à presença onipresente da internet, somos constantemente expostos a uma ampla gama de conteúdos, sejam eles construtivos ou prejudiciais. Embora a internet tenha suas nuances negativas, ela também desempenha um papel vital ao proporcionar espaço para a representatividade, algo muitas vezes ausente nos meios de comunicação tradicionais.

Essa era digital oferece acesso facilitado a informações, arte, cultura e discussões que antes enfrentavam obstáculos para serem disseminadas. Quando empregado de maneira adequada, o audiovisual tem o poder de contribuir significativamente para o combate à discriminação. A capacidade de contar histórias por meio de imagens e sons não apenas enriquece a diversidade de narrativas, mas também desafia estereótipos e promove uma compreensão mais ampla e inclusiva da sociedade. Nesse contexto, o audiovisual se torna uma ferramenta valiosa na construção de um mundo mais justo e igualitário.

Qual conselho você daria para quem está passando por um processo de aceitação e ainda sente a dificuldade de “sair do armário”? Meu conselho seria respeitar o próprio tempo e entender que cada pessoa possui seu próprio caminho e cronograma para esse processo. Embora seja gratificante e essencial assumir quem somos, isso deve ser feito quando nos sentimos preparados e seguros.

Até alcançar esse ponto, é fundamental conectar-se com pessoas que compartilham afinidades, como colegas, amigos, militantes e apoiadores, já que, em muitos casos, a família pode não oferecer o apoio necessário. Construir uma rede de apoio sólida é crucial, pois ela se tornará um suporte valioso, fortalecendo-nos nos momentos em que mais precisamos.

Além disso, contar com grupos, coletivos e ONGs dedicados à militância LGBTQIA+ é uma fonte valiosa de suporte. Nessas organizações, sempre haverá alguém disposto a acolher e oferecer auxílio. Reforço a importância de se fortalecer para, no momento que sentir apropriado, poder sair do armário com orgulho, sendo autenticamente quem você é.

Clique para receber as principais notícias da cidade pelo WhatsApp.

Siga o Canal do JP no WhatsApp para mais conteúdo.

Comentários

Comentários