
O ex-jogador Arnaldo Poffo Garcia ou simplesmente Peixinho, é um senhor “boa-praça” que hoje, aos 82 anos, curte a vida relembrando histórias da época de ouro do futebol brasileiro. Ex-ponta direita de São Paulo, Santos, Ferroviária, Comercial-SP e Bangu-RJ, ele passou ainda no final de carreira pelo futebol da Venezuela e do Canadá. Ganhou quase tudo no time da Vila Belmiro, ao lado de Pelé. Mas fez bonito também no São Paulo, ao marcar o gol inaugural do Morumbi, em 1960; e ainda é lembrado até hoje em Araraquara por ter anotado o gol mais bonito da história da Ferrinha, em 1962.
Casado com a senhora Ana Maria, pai de dois filhos (Viviane e Daniela) e com cinco netos (Guilherme, Débora, Isabela, Rafaela e Luiza), o ex-ponta ainda hoje trabalha com o futebol. É “olheiro” do São Paulo, clube que o revelou, e prepara mais um torneio em Piracicaba para descobrir novos talentos para Cotia. Ocupação que faz com carinho e com contrato vitalício. “Renovo todo o ano”, brinca.
Ele fez 302 gols na carreira. Deste total, ele marcou inacreditáveis 14 vezes de bicicleta. “O Leônidas da Silva (o Diamante Negro, ex-craque do São Paulo) inventou a bicicleta e eu aprimorei essa jogada”, afirma Peixinho, que herdou esse apelido do pai, chamado de Peixe e jogador de futebol nos anos de 1940.
Nesta entrevista ao Persona, esse simpático senhor ainda faz uma crítica ao futebol praticado atualmente. “A parte técnica do jogador de futebol do Brasil caiu muito... Nunca um treinador chegou para mim e falou: ‘Peixinho, você vai marcar...’ Quem vai marcar é o meu adversário; eu não vou marcar ninguém; eu vou para cima dele. O jogador de hoje em dia não sabe driblar. Falta qualidade técnica”. Veja a entrevista abaixo:
O senhor tem vários feitos na carreira. Para citar dois: o primeiro gol do Morumbi e o gol mais bonito da história da Ferroviária... A gente que era da casa, do infanto-juvenil até o profissional, queria fazer o primeiro gol no Morumbi. Mas o São Paulo tinha jogadores consagrados, como Gino Orlando e Canhoteiro. Graças a Deus, eu fui o escolhido. No dia 2 de outubro de 1960, aos 12 minutos do primeiro tempo (o jogo terminou 1 a 0 para o São Paulo contra o Sporting de Lisboa). Aos 5 minutos eu já tinha jogado uma bola no travessão. Aí eu pensei comigo na hora: ‘Hoje não é o meu dia’. Mas aí não deu outra: depois de sete minutos eu marquei o gol, só que de cabeça.
E quando o senhor marcou, tinha a noção de que esse gol iria ficar para a história do Morumbi e do São Paulo? Era muito jovem na época. Nem pensei nisso.
O senhor também está com uma camisa do primeiro gol no Morumbi, inclusive... O São Paulo me autorizou a fazer essa camisa a vendê-la. Se algum são-paulino quiser comprar nós temos de todos os tamanhos. Contatos para compra: 19-3423-1366 ou 19-9.9735-1328. Autografada. E se for de Piracicaba, com direito a uma foto (risos).
E o gol mais bonito da história da Ferrinha? Como foi? Marquei esse gol contra o Palmeiras, no dia 5 de agosto de 1962, de fora da grande área e de bicicleta. Os historiadores da Ferroviária fizeram um levantamento dos gols na Fonte Luminosa (estádio do clube de Araraquara) e consideraram o meu gol como sendo o mais bonito da história.
O senhor fez inúmeros gols de bicicleta? O que atribui essa habilidade? Eu fiz 14 gols de bicicleta em jogos oficiais. Mas eu treinava muito para isso. Quando terminava o treino normal, eu tinha um goleiro que era meu amigo e tinha outros com um bom cruzamento. O Dudu, que jogou depois com o Ademir da Guia no Palmeiras, era um deles. Foi ele que cruzou a bola para eu fazer esse gol contra o Palmeiras. Desde o São Paulo eu já treinava.
O senhor tem notícia de alguém que marcou mais gols de bicicleta? Não tem. Mas eu nem fui atrás. O Leônidas da Silva (o Diamante Negro, ex-craque do São Paulo) inventou a bicicleta e eu aprimorei essa jogada.
Até recentemente, no jogo do São Paulo contra a Ferroviária, neste Paulistão 2023, o senhor ganhou uma homenagem da diretoria da Ferroviária por esse gol de bicicleta. Como foi isso? Juntou as duas torcidas onde eu joguei (São Paulo e Ferroviária). Foi muito bonito e eu fiquei muito emocionado. A torcida da Ferroviária sempre me quis bem. A gente foi fazer uma excursão certa vez e eu voltei com 12 gols em cinco jogos. Já a minha estreia no estádio Fonte Luminosa foi contra o Bahia, que na época era campeão brasileiro. Ganhamos por 5 a 3 e fiz um gol de cobertura e outro de bicicleta. Aí, a torcida ficou louca. Sou sempre muito bem tratado lá e minha esposa é de Araraquara.
E qual a sua relação com Piracicaba? Como o senhor veio parar aqui? Tinha um amigo meu, o Matheus, que jogou inclusive comigo no São Paulo, na Ferroviária e na Venezuela, estava trabalhando aqui. E ele me convidou para vim para cá e estou aqui até agora. Foi em 1973. Estou há 50 anos aqui.
O senhor também tem uma história muito curiosa de sua passagem rápida pelo Bangu? Como foi? Eu estava no Santos, que jogava a maioria das partidas internacionais no Maracanã. Certa vez, em 1964, nós fomos fazer uma homenagem para a Federação Carioca de Futebol e cada jogador entrou com uma camisa de um clube do Rio. Eu entrei com a camisa do Bangu. Nesse dia, o doutor Castor de Andrade estava dentro do gramado. Ele me chamou e disse: ‘Peixinho, um dia você vai vestir essa camisa de verdade’. Passaram duas semanas, ele foi na Vila Belmiro comprar meu passe. Não conseguiu. Passou um mês, ele voltou no Santos, que não vendeu. Fui para o Comercial, em 1966. Aí, ele apareceu em casa após termos sido campeões do interior. Ele me disse que o Bangu iria inaugurar um estádio coberto no Texas, nos EUA, e ele queria me levar. Não deu. Passaram mais duas semanas, o Castor de Andrade voltou em Ribeirão Preto. O presidente do Comercial não quis vender, mas pediu cinco milhões de cruzeiros por um empréstimo de três meses. Muito dinheiro na época. Na semana seguinte, ele chegou com uma malinha de dinheiro e bancou. Aí inaugurei o estádio nos EUA.
E a Seleção Brasileira? Em 1962, eu fui o único jogador do interior de São Paulo cotado para ser convocado para a Copa. E como eu fui o vice-artilheiro do Campeonato Paulista, estava crente de que poderia ir. Mas não fui. Foi o Jair da Costa no meu lugar.
O senhor tem uma ligação muito grande com o São Paulo e, inclusive, trabalha como ‘olheiro’ do clube. É isso mesmo? Eu trabalho levando meninada para Cotia. A minha faixa é de 11 a 13 anos. Eu vejo na várzea mesmo. Às vezes, eu marco um torneio, vamos dizer assim, aí eu trago uma outra pessoa de São Paulo. A gente analisa e leva. Vamos fazer agora em fevereiro ou março. No ano passado, nós levamos três jogadores para lá.
Como o senhor vê o futebol de hoje, considerado mais pragmático e mais na correria em relação ao do seu tempo... A parte técnica do jogador de futebol do Brasil caiu muito. Quem não viu o futebol antigamente vai achar estranho o que eu estou falando, mas dificilmente algum jogador de hoje do Santos jogaria naquele time do Santos. Agora, não tem dúvida de que tem bons jogadores, mas naquele tempo você jogava contra o Nilton Santos. Compara com algum lateral de hoje em dia? Quem viu não pode comparar. Nunca um treinador chegou para mim e falou: ‘Peixinho, você vai marcar...’ Quem vai marcar é ele; eu não vou marcar ninguém; eu vou para cima dele. O jogador de hoje em dia não sabe driblar. Falta qualidade técnica.
E pensar que você jogou com o Pelé... Esse não tem comparação. Igual a ele não vai existir nunca. E nem deixaram jogar no gol, porque ele era um baita de um goleiro nas nossas férias.
Clique para receber as principais notícias da cidade pelo WhatsApp.