E Gina também se foi

Por Cecílio Elias Netto | 24/01/2023 | Tempo de leitura: 3 min

Tanto horror, tantos ódios, tantos conflitos e, agora, ainda mais essa: Gina morreu. A Lollobrigida, a Lolô que encantou o mundo!

Realmente, mundos acabam. E, então, os que sobrevivem tornam-se contadores de histórias. “Era uma vez...” Algumas delas, de fascinantes, parecem invenção de quem as narra, “histórias da carochinha”. Foi mesmo verdade? Será invenção? Aconteceu ou se deseja tivesse acontecido? O enaltecimento dos “anos dourados” – houve, verdadeiramente, essa época mágica?

Lá se foi também a Gina. E sinto-me cada vez mais cansado. Quem vai restar? Esse mundo e esses tempos estão cada vez mais sem graça. Pelo menos, para mim. Mas qual tem sido o feitiço do tempo? Cadê o mistério? E o proibido? Cadê aquelas normas, acordos para, depois, serem desrespeitados?  O Chico Buarque, em minha opinião e por tanto eu o admire, foi cruel ao revelar “não existir pecado ao Sul do Equador”. Maldade do menestrel. Pois era simplesmente fascinante e desafiador “cometer pecados” naqueles anos de ousadias e transformações.

Tentei escrever sobre a tragédia dessa irresponsabilidade que destrói a Unimep, a iminente perda do tesouro construído no Taquaral. Mas não tenho, ainda, condições. Estou dominado pela raiva, uma raiva crescente, pois trata-se de morte anunciada. Morte lenta e, no meu entender, provocada. Conheço toda a história. Escrevi livro contando a heroica trajetória, “Ousadia na Educação”. E artigos. Fui aluno da primeira turma da faculdade inicial, a ECA. E primeiro presidente do primeiro centro acadêmico. A Unimep nunca foi, apenas, uma instituição metodista e da Igreja Metodista. Foi e é de Piracicaba. Nada aconteceria se nossa terra – através de empresários, a população, o poder público – não se tivesse unido para construir aquele patrimônio. Com notáveis doações. Mas, desde o início, houve uma luta interna deflagrada por membros da igreja contra reitores. Piracicaba tem que reivindicar seus direitos originais. A Unimep foi uma vitória dos piracicabanos e uma derrota culpável de uma guerra mais religiosa do que acadêmica. Mas devo parar. Antes de ceder à raiva e cobrar a história de uma tragédia parte da qual conheço muito bem.

Retorno, porém, à Gina. À doce, à linda Gina Lollobrigida. E a um tempo que também morreu. Que estupidez imperdoável foi a de minha e de outras gerações em permitir a perda de toda a riqueza daqueles anos! Como pudemos ceder à maldição do neoliberalismo implantado por Reagan e Tatcher, imitado por militares sul-americanos, permitindo ditaduras cruéis substituíssem a democracia nascente, exuberante? “Nostra culpa”.

Lá se foi, também, Gina, a Lollô. Beatles, Elvis, Vinicius, Tom, Pelé, Maria Ester, Garrincha, Paulo Autran, Tônia – quantos mais, no inevitável – mas tristonho – término de gerações? Fim de mundos, sim. Mas que outros surgem em seguida? Onde – para a juventude atual – estão os referenciais? Ou não precisam, como se Bertold Brecht tivesse razão ao exclamar: “Maldito o provo que precisa de heróis. Maldito, também, o povo que não precisa de heróis.” Simples jogo de palavras, perdoe-me o genial dramaturgo. Pois precisamos, sim, de exemplos, de referenciais, de homens e mulheres que dignifiquem a vida e o mundo. Não precisamos de bandidos, de farsantes, de canalhas. Nem mesmo de políticos que fogem para evitar ser presos.

E não escrevi sobre Gina, a Lollobrigida. Sua tão doce beleza adoçava um tempo em que os deuses escancararam o Olimpo. Quando o divino se fez humano. Que valham a tristeza e a saudade. E a gratidão pelo sonho alentador.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do SAMPI

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