Apesar de tudo, é Natal...

Por Cecílio Elias Netto | 21/12/2021 | Tempo de leitura: 3 min

Pouco há de tão real e verdadeiro quanto o passado. É ele que fica. Pois o presente está apenas acontecendo. E o futuro são, tão só, expectativas, possibilidades. O passado, carregamo-lo ao longo da vida. Na alma e, muitas vezes, na pele. É o que deixa saudade mas, também, amarguras. Podemos desejar repeti-lo, mas, se possível fosse, seria apenas como fantasia terapêutica. Fantasiar de vez em quando é reconfortante. Talvez, até mesmo necessário: “nem só de pão vive o homem…”
O horror em que mergulhamos nesse somatório de causas asfixiantes trouxe, também, o que poderíamos chamar de “pandemia de ansiedade”. Há quem negue estar ansioso? Se houver, não estaríamos, então e talvez, diante da indiferença? Se a isso tivermos chegado, beiramos o precipício. Pois, indiferença é doença letal, contagiosa. E uma sociedade indiferente prenuncia a sua própria destruição. Desprezar o que acontece ao nosso redor, a indiferença diante da miséria, isso tem um nome: crueldade. E administradores públicos revelam sua aterradora face cruel quando invertem as prioridades: a economia a favor do homem ou o homem como objeto da economia?
Lamentavelmente, insistimos em cuidar dos efeitos evitando enfrentar as causas. Quando as crises se vão tornando incontornáveis, surgem os apoios emergenciais. Sim, são necessários. Mas apenas paliativos quando se trata de problemas sociais graves. Ora, não se cuida de feridas abertas com gotas de água benta. A desesperadora situação dos chamados “moradores de rua” não é apenas questão emergencial. É uma realidade dramática. Sendo um problema nacional, ele se revela, porém, nas cidades, nos municípios. Urgem, pois, estudos e buscas de soluções municipais. Não podemos eternizar o emergencial. Levar “moradores de ruas” para uma “casa de passagem” é um necessário socorro imediato. Mas e depois?
Será uma farsa odiosa celebrar Natal ignorando o outro. E – nunca, talvez, como agora – o outro é o ser humano desconhecido, aquele que passou a morar nas ruas, que se alimenta de restos. O outro é o desempregado que enlouquece pelo pão de seus filhos. O outro é a pessoa marginalizada cuja última e única guarida estaria num albergue noturno. Não se trata mais apenas de emergência. Estamos diante de uma realidade que se agrava aceleradamente. Há que se ir em busca de soluções, por mais difíceis pareçam. E o poder público há que assumir, pois a iniciativa privada tem sua competência limitada. Como poderemos celebrar o Natal diante de tanto sofrimento?
Ora, dirá alguém endurecido pelos tempos odiosos: “Natal é apenas uma data, uma convenção.” Seria apenas isso? Acontece, porém, que suas raízes remontam aos nossos ancestrais que, ainda antes do cristianismo, deslumbravam-se com o Sol. Eles, pagãos, celebravam o Deus Sol, aquele que ilumina o Mundo. E o solstício inspirou, também, a celebração de Jesus, que se tornou Luz do Mundo. Natal é o reconhecimento humano pelo sagrado.
O sofrimento destes últimos tempos convida-nos ao mistério da fé. Chegamos a um ponto em que explicações humanas já não nos bastam. Viver é estar sujeito a contingências e elas não se explicam. Tudo o que nos resta é avivar a alma em busca de inspiração para enfrentarmos borrascas e superá-las. Natal é o momento benfazejo de reflexão. Para agradecer pela sobrevivência. E para pedirmos iluminação em busca de prudência e sabedoria durante a caminhada. Isso, porém e antes de mais nada, pressupõe humildade intelectual. E, acima desta, a humildade de coração.

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