Dois milhões, e daí?

Por Matheus Erler |
| Tempo de leitura: 3 min

Matheus Erler é assessor previdenciário

O que são dois milhões de pessoas? O que são mais 550 mil pessoas? E porque estes dois números são tão impressionantes se justificarmos o que eles representam, respectivamente, o número de pessoas, contribuintes que aguardam análise de um pedido de benefício junto ao INSS e o segundo número, a quantidade de vidas perdidas para a Covid-19 que o mês de julho pode alcançar?

Qual a relação que estes dois números nos trazem? Ambos refletem a má gestão, o descaso, o desinteresse em colocar o estado a serviço do cidadão. Vejamos, estes dois milhões de pessoas cujas solicitações estão represadas junto ao INSS não são números. São histórias. Histórias que todos os dias a imprensa traz, o seu vizinho conta, um familiar seu é personagem e nossos clientes nos relatam.

Um acidente de trabalho que retira o sustento de um pai de família num momento tão difícil como este da crise sanitária que estamos passando. Uma mãe que, ao fazer duas ou três faxinas num único dia, foi acometida de um problema sério de coluna e não consegue retomar o serviço de diarista. Um jovem que está entre os milhares de brasileiros que, ao colocar sua vida em risco no trânsito, quebrando recordes para que nossa comida chegue quente e intacta, acabou por se acidentar no trânsito, quebrando ossos e a vida financeira.

Quantas histórias que, para um governo federal que não se solidariza com a dor alheia, que banaliza a morte e a orientação aos cuidados simples de saúde pública, são apenas números.

Os dois milhões de pessoas na fila do INSS recebem a mesma repulsa dos quase 550 mil que não tiveram acesso à vacina porque a preocupação foi, ou garantir alguns dólares desviados por cada unidade, ou de fazer uma disputa de egos para definir quem tinha mais razão, qual vacina é mais eficaz. E esta sequência de comportamentos deploráveis construiu uma massa desorientada que, ainda hoje, acredita que a vacina não funciona, que tal marca não tomará de jeito algum. O que me faz pensar que, na minha infância, a única chance que tive foi a de fechar os olhos e esperar aquele gatilho cruel ser disparado.

A situação é tão grave que até mesmo o Supremo Tribunal Federal teve que intervir para mediar acordos entre o cidadão e o governo, para tentar garantir que o INSS cumpra prazos e garanta os recursos de direito de cada solicitante. Mas mesmo assim, governo de forma sorrateira, burla prazos, afirma que faltam documentos quando todos os documentos estão corretos.

O que são números frios para o INSS, são pessoas para nós que lidamos todos os dias com a dor de cada história. São cidadãos que pagaram seus impostos e a previdência, na maioria dos casos, e que aguardam cinco, seis, 12 anos por um benefício. Muitos chegam à morte sem receber o lhes é de direito, perder a dignidade no final de suas vidas, dependem de parentes e são personagens de histórias até mesmo de abandono e muito sofrimento.

Qual é a solução? A humanização da gestão do INSS. A previdência social não é um favor prestado ao cidadão brasileiro. Ela é um grande caixa construído com o dinheiro do trabalhador que tem no seu salário a retenção dos recursos que deveriam, um dia, garantir sua tranquilidade. Enquanto isso, o governo pergunta, dois milhões? E daí?

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