Por quem os sinos dobram?

Por David Chagas | 08/03/2021 | Tempo de leitura: 3 min

Quando cheguei a Laranjeiras, em Sergipe, emoldurada por paisagem inesquecível, alumbrei-me com belíssimo conjunto colonial, à época,branqueado com cal que substituiu a pintura original. Apesar da heresia,enchi-me de encantamento. Nunca soube a razão deste efeito, já que o primeiro local que visitei, marcado pelo tempo, abrigava morcegos, agrupados em quantidade absurda, confundindo todos os sentidos de quem penetrava aquelas entranhas.

Espaço ermo, úmido, fétido, construído supostamente por ordem dos jesuítas, em fins do século XVII, agora, abrigo destes mamíferos voadores por que se tem natural repulsa. Mesmo sabendo a importância deles na e para a natureza, fica difícil dar-lhes condição merecida. Ao andar por estes túneis sem saber a razão de existirem já que as histórias da origem são muitas, só os morcegos servem para contar histórias de horror e medo.

Esta cidadezinha próxima de Aracaju, há quase 189 anos, lateja em mim toda vez que algo me faz lembrar a temporada em que lá estive.Era 1982. Esta revisita é mais uma das aventuras provocadas pelo isolamento social. Na solidão, olhando fotos, revejo a cidade, tanto gostei dela, à exceção do túnel. Só me desgostou saber que fora polo de desenvolvimento no século XIX, conhecido como Atenas sergipana, mas servira, apesar do codinome, como centro de comercialização de escravos.

Conta-me amiga em visita recente por lá, que as poucas construções coloniais de vulto foram restauradas com mais cuidado e adequação ganhando cores próprias da época. Deve estar cheia de beleza e graça o lugarejo.

Sua padroeira, a Virgem da Conceição, envergonhada da escravidão imposta pelos homens que nada aprenderam de Seu Filho, segue em vigília na igreja centenária. Está também presente em outro edifício religioso conhecido como Igreja de Nossa Senhora da Conceição dos Pardos, provando, no nome dado, o peso da escravidão sobre os negros e seus descendentes. Só foi concluída graças a Pedro II quando visitou a cidade e contribuiu para seu término. A estas igrejas e outras tantas se junta capela particular dedicada à Sant’Anninha, construção de 1860, parte de conjunto arquitetônico do mesmo nome, propriedade de ilustre família local, os Ribeiro Guimarães, que, ao reformá-la, a transformaram em necrópole.

Ilustre aqui, substitui a equivocada forma como os moradores locais se referem aos proprietários dos casarões que restaram e aos destruídos, depois que “a gente boa” se mudou para a nova capital, Aracaju, ainda no século XIX, início do século XX.

O que me traz à lembrança Laranjeiras? O badalar de sinos tarde destas na minha cidade. Poucas igrejas aderiram, mas houveas que repicaramseus bronzes, convidando fiéis a recolherem-se em oração em favor da visita do Papa ao Iraque e da vida, contaminada pelo vírus.

Quando estive em Laranjeiras, de que me recordo agora, os sinos, ao meio dia, faziam festa, obedecendo a uma sequência que encantava. Era cantoria singular, em cânone. Ao badalar do primeiro sino, se contrapunha um segundo, outro mais e mais outro seguindo o tom, numa sucessão de acordes que, em hosanas e aleluias, louvavam o Senhor da Vida.

Impossível não se emocionar. A lembrança me obriga a repetir Manuel Bandeira:Sino de Belém,/Sino da paixão…Sino de Belém,/Sino da paixão…/Sino do Bonfim!…Sino do Bonfim!…/Sino de Belém, pelos que ainda vêm!/Sino de Belém, bate bem-bem-bem./Sino da paixão, pelos que ainda vão!/Sino da paixão, bate bão-bão-bão.

E insistir: Sino do Bonfim, baterás por mim?

Leia Mais:

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do SAMPI

COMENTÁRIOS

A responsabilidade pelos comentários é exclusiva dos respectivos autores. Por isso, os leitores e usuários desse canal encontram-se sujeitos às condições de uso do portal de internet do Portal SAMPI e se comprometem a respeitar o código de Conduta On-line do SAMPI.