Mais horas da minha infância

Por David Chagas | 22/02/2021 | Tempo de leitura: 3 min

A sequência de artigos publicados em diferentes jornais revelando um pouco do despontar da existência rendeusignificativas manifestações de carinho por despertar no leitor cenas iguais àquelas. Muitos acabaram por celebrar comigo, recordar comigo estes estados de consciência passados. Evocar isso, em tempos como os de hoje, permite, ao menos, amenizar o isolamento social com boas lembranças. Se vieremmensagens positivas como as que recebi, melhor ainda. Alegrou-me também, o apreço da juventude, tentando, ao que me parece,fugir destes tempos anuviados experimentando no texto que me motivou, um resto de Romantismo.
Cansado de saber de tantas coisas nefastas que andam aterrorizando nossas manhãs e tardes, fui tentado a reler alguns românticos, dentre eles, Casimiro de Abreu e acabei por deixar-me levar por este lado pueril dos Meus Oito Anos fazendo de seus versos o fio condutor das minhas histórias que, posso afirmar, iguais a de muitos.

De todo lado vieram manifestações generosas. O despertar da palavra aparentemente adormecida no poema de Casimiro, levou a mim e a outros, de volta às campinas onde corriasatisfeito, eu, dentre tantos, camisa aberta ao peito, pés descalços, braços nus.
Heloisa Vilhena fez-me, no gesto, sentir a doçura do mel, quando afirma: Seu “Aurora da minha vida” é uma dádiva poética! Araripe Garboggini: Que gostoso ler essas suas lembranças tão bem descritas a ponto de senti-las.José Eduardo Leite: A peça literária de hoje - um presente para nossa sensibilidade. Lúcia Spotto, confirma este desejo buliçoso de tantos em recuperar risonhas manhãssem negar que,há bom tempo, os dias não trazem mais.

A memóriapermite o reencontro. Deixa entrever o céu de primavera, sentir as carícias da mãe, o afeto da avó em manhã fria de inverno, aconchegando o neto à beira de belíssima peça de fogão agateado, movido a carvão.

Assim não fosse, minha professora, Maria Elisa Machado Maluf, não me presentearia com texto tão melhor que o meu, contando-me ter, após a leitura, escavado a memória, revisto goiabeira, balanço e os primos apostando entre eles para ver quem alcançava galhos mais altos, exatamente como fazíamos, minhas irmãs e eu.

Dona Maria Elisa, na beleza de cartão estampado por ela mesma, diz mais, muito mais,ao revirar lembranças.Reencontra a jabuticabeira do quintal, onde adultos e crianças se reuniam à sombra dela para saborear frutos maduros. Conta-me que, nela, persiste a ideia de que jabuticaba traz, em si, sabor de família reunida.

Não posso esconder do leitor a delicadeza exposta com beleza e graça pela mestra querida: “Na minha infância, ficou um riacho de águas transparentes e preguiçosas, onde podíamos pegar os seixos lisinhos. A menina do passado, muitas vezes perdia tempo (ou ganhava?) acompanhando o movimento das nuvens no céu, imaginando os desenhos que formavam no seu caminho sem rumo certo.”

Não apenas eu fico a brincar com experiências de fatos já vividos e, por elas, retomar a vida deste ou daquele ponto, não importa. Faço antes que seja tarde demais.A memória, ensina dona Maria Elisa, remexe tudo o que guardou, junta fragmentos e nos obriga a repetir, senão a cena, os sorrisos, a alegria, o bem estar daqueles anos. Com as habilidades e dons de que dispõe me diz que pode até colorir “o rosado da manga madura, o verniz da jabuticaba pretinha, o amarelo da pamonha macia, o arco-íris de todos os bons momentos e até o violeta de alguma tristeza”.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do SAMPI

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