Apesar de, Feliz Ano Novo!

Por David Chagas | 04/01/2021 | Tempo de leitura: 3 min

Deve ser, penso eu, a primeira vez que não tenho sensação de ano terminando. Falta-me a expectativa da virada que, mal ou bem, representa mudança e acende esperanças diversas.

Dia destes pensava se o que está por terminar começou de fato em algum momento ou terá sido pesadelo em noite demorada? Em fevereiro, quando, no Brasil, o ano toma corpo e começa, o mal que se alastrava no oriente asiático insistia em abrir-nos os olhos para repreensão imposta. Ninguém imaginava tanto.

São tantas as perturbações repetidas diariamente que o ano parece não chegar ao fim. Terá tido mais meses que as doze fatias convencionais dando-lhe, assim, dimensão exagerada?

No meio do rebuliço causado pela pandemia obriguei-me a revisitar Machado em alguns de seus romances quando provou a que vinha enraizando ficção na realidade relatando epidemias infectocontagiosas que se alastravam na sociedade da corte, no século XIX. Agora, não é ficção. É notícia.

Quantos, por conta disso, fizeram a viagem final sem um só gesto de despedida, provocando pena e dor. Foi o que mais se somou ao falatório destemperado de quem, incapaz de dar curso ao que dele se espera, se valeu de estratégias como esta, chamando gripezinha qualquer a mal que assolou o mundo infectando milhões e matando outros tantos.

Por fim, a terra cumpre o movimento e o ano termina. A doença não. Se somo, como ensinou Clarice Lispector, as unidades que compõem o ano, chego a cinco.

Melhor, finco pé na Bíblia, que não parece simpática ao número. Se me debruço nas unidades finais posso encontrar a unidade propriamente e a Trindade que me permite repetir Santo, Santo, Santo é o Senhor. Em Deus, as sementinhas do vir a ser.

O novo dia brotará da Luz de seu Espírito e o primeiro do ano dará sentido à paz universal consagrada para esta data. A partir de então, poder-se-á até mesmo esquecer o ano que passou ou fingir que não existiu. Não se constranja. Ignore.

Até nisso o vírus insiste em revelar poder. Infecta, multiplica-se, sofre mutações para confundir vacinas e datas. É adepto do mal. Fará parte do gabinete do ódio tanto carinho encontra por lá?

Se me permitem, queria sugerir não nos entregarmos à tristeza e à preocupação. Menos ainda à falta de sonhos. Sigamos sonhando. Enchamo-nos de coragem. É o que de nós espera a vida. Façamo-nos maiores do que somos e de frente para a aurora do dia primeiro entendamos bem o que é viver.

A bela manhã pode trazer consigo um meio-dia duvidoso. Mais para tarde (e tem sido frequente isso), o azul em festa de luz e sol se cobre de nuvens escuras como se decretasse o fim. Subitamente tudo se desfaz e a tarde ganha um instante de esperança permitindo-se a um rasgo de sol quando, no poente, mergulha para algum outro lugar dando uma vez mais sentido novo à vida do outro lado do mundo.

Seja este o tempo que nos espera. Vigiai e orai, Deus determina. Resta-nos esta compensação que poderá salvar-nos do mal e nos trará, no silêncio que a oração exige, pensamentos luminosos como as estrelas.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do SAMPI

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