A canção é tudo

Por David Chagas | 14/12/2020 | Tempo de leitura: 3 min

Foi meu aluno no colégio. Vinha de Americana, cidade próxima, em busca do sonho: ingressar na Universidade de São Paulo. Discreto, diferente dos demais, pouco ou nada falava a respeito. Embora tenha ingressado com brilhantismo na escola sonhada, não fez nenhum alarde em torno. Rezava o costume entre escolas alardear aprovados em vestibular. James encarava com naturalidade o processo e entendia dever preparar-se para isso.

Vez por outra, aparecia para contar como andava na escola superior. Foi longe. Formado, especializou-se em cursos de pós-graduação até admitir que o sonho era outro. Ingressou no curso de medicina da Universidade de Campinas. Especializou-se em psicanálise. Neste tempo, não tinha notícias dele.

Desconhecia o novo rumo em sua vida. Só soube muito mais tarde e minha admiração por ele ficou acentuou-se. Perder-se das pessoas, havendo reencontro, dá às conquistas outra dimensão.

James José de Novaes, a quem reencontro, agora, vivendo no sul do país e desenvolvendo trabalho extraordinário como psicanalista e como educador, enche-me de orgulho. Amiga dos tempos de faculdade, de Americana, em visita a minha casa, ano passado, ajudou-me a saber de seus pais e dele. Além da medicina, entregou-se a trabalho de cunho pedagógico onde junta arte em todas as suas manifestações, especialmente música, auxiliando professores e outros interessados para mostrar que escola é muito mais do que continuam ensinando.

Sempre me agradou saber dos caminhos traçados pelos estudantes que passaram por mim. Muitos dos meus alunos, de Piracicaba, de Rio Claro, do Colégio Bandeirantes, em São Paulo, alcançaram notoriedade inimaginável. Fim do ano passado, quando não se falava em pandemia e, menos ainda, na gripezinha qualquer, embora já houvesse coleção de disparates vindos de Brasília, recebi, numa destas tardes de verão, sua visita, com esposa e filho. Memorável. Veio até mim para visitar-me e apresentar-me a vida multiplicada (sua esposa vive, agora, a perspectiva do segundo filho).

Na ocasião, revelou-me certa inclinação para as teorias de Bert Herllinger e deixou-me saber o que fazem, a mulher e ele, neste trabalho excepcional em que a saúde mental se junta a muito mais detalhes que permitem lustrar, com arte, vida e alma.

Isolado socialmente, não por opção, mas por dever cidadão, dei cor e tom à tarde, antes de escrever este texto, ao ler mensagem de James, com endereço de plataforma digital, onde encontrasse trabalho musical do irmão, Márcio José de Novaes. Surpreendi-me. Que qualidade para um primeiro trabalho!

Composições de sua autoria, arranjos bem cuidados e a suavidade da voz extasiaram-me. A produção de alto nível assinada por Ana Paula Silva, notável cantora catarinense, se junta em qualidade ao nível do trabalho.

Márcio, oceanógrafo, por certo, inspirado nas surpresas oferecidas pelo mar que já lhe renderam fotos belíssimas, soube aproveitar a sinfonia da brisa soprada a seus ouvidos, a poesia semeada pela natureza neste ambiente de som e luz, a magia escondida na imensidão das águas para compor as obras deste seu primeiro álbum solo, Raiz de Maré.

Composições próprias algumas, outras em parceria com Evandro Che e Marcelo Orales. Junto delas, Eu Vi a Lua Branca, do hinário do Santo Daime, do acreano Odemir Raulino, comprova haver emoção onde há saudade. Raiz de Maré alude às raízes dos manguezais, das restingas, da população litorânea. Ao fazer contracanto ao intérprete, dois corais infantis dão ao instante fascínio e remetem, com arranjo, vozes e percussão, aos mistérios e ao imaginário de quem, como ele, como eu, como tantos reconhecem a delícia de sentir o balanço do mar.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do SAMPI

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