Eco? Sombra? Imagem?

Por David Chagas | 07/12/2020 | Tempo de leitura: 3 min

Quisera muito escrever sobre isso. É que me tenho deliciado com a vida, como se mostra agora, no cair da tarde que, dia sim, outro também, sinto algo em mim pedindo relato disso.

Sou claro? Refiro-me a mim com o cair da tarde. Digo porque me surpreendo remexendo memória, sem ter percebido tantos anos contados. O sol também não se dá conta do dia que termina. Passa sem saber que houve, na terra, quem fizesse isso à sua passagem.

Para amenizar, tomar às mãos um livro, ler um belo poema, ouvir uma música, chamar ao telefone por minhas irmãs para trocar alguma conversa, por Neide, amiga capaz de sintetizar, em haicais, ideias fantásticas, que relatam miudezas do tempo ou ocupar-me do menor dos meus, José Antonio, cuja conversa me desanuvia, seja o assunto que for.

Se as lembranças se desordenam, trato de chamar os anjos de luz, para, a postos com a providência, me socorrerem. Não falham. Põem em derrota o incômodo para reencontrar o lustro da alma, o brilho dos olhos, o bom da vida.

Não fossem eles, que, neste caso, se materializam, a vida perderia gosto, prazer. Vivo isso, hoje, quando o alimento primeiro encontrar na lembrança, a melhor performance que a memória possa ter.

Em cena, Eduardo em aulas de matemática, descobrindo na letra do poema, na música, no riscado da roupa elementos tais que perfaziam caminhos por mim só conhecidos quando trabalhei na embaixada do Brasil em Moçambique e, professor no Instituto Superior Pedagógico daquele país, corretamente dirigido por Paul Gerdes, holandês, amante da África portuguesa, o melhor reitor universitário que conheci e homem humano como poucos sabem ser, pude saber da etnomatemática.

Em honra dele, prometo escrever sobre e deixar a todos encantados com trabalho genial realizado por estes vocacionados às ciências exatas que souberam entender melhor o universo abstrato e difícil ao não se divorciarem da História nem da Literatura. Outros tantos, ficarão embasbacados por ver que, voltado para Ciências Humanas, conheço assunto que, aparentemente, não me diz respeito.

O leitor, por certo, sentindo comigo na leitura desta crônica o sentimento de falta, de ausência, de saudade, poderá pensar que, ao cair da tarde, vou, também, tropeçando nela. Que nada! Há, apesar das dores que os “enta” acrescentam, muito ímpeto de juventude. na expectativa de ver cair por terra o que incautos chamam de melhor idade. Ocaso, muito mais verdadeiro, bonito, trazendo em si a ideia de ter, apesar do fim, uma réstea de luz colorindo nuvens.

Uma lembrança puxa outra e isto me faz abrir as redes sociais que descaracterizam qualquer forma lógica de conversa para descobrir os desenhos de Zeuler Almeida Lima, ex-aluno brilhante, de quem fiz – e registro para que não se esqueça – sua primeira exposição individual. Arquiteto formado pela FAU/Usp, Zeuler brilha nos Estados Unidos como professor e viaja o mundo sem se esquecer jamais de deixar, no seu jeito discreto de ser, desenhos seus contando histórias. Quantos de seus ex-professores terão este privilégio?

Quantos chegam a seu lado ao Japão, à Itália, à França, à Alemanha, aos Estados Unidos e participam, virtualmente, de seus cursos, de seus livros, de seu trabalho dando à Lina Bo Bardi o lugar de destaque que merece ter?

Chico Buarque está cantando Cantiga. Quer ensinar-me, por certo, como agir quando me der saudade de mim, de ti, de tantos.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do SAMPI

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