Crisálida

Por José Faganello | 08/07/2020 | Tempo de leitura: 3 min

“Mudar é a glória dos que ignoravam, e sabem, do que eram maus, e querem ser justos, dos que não se conheciam a si mesmos e já melhor se conhecem ou começam a conhecer-se”. (Rui Barbosa)

Charles Darwin há quase 150 anos, abriu caminho para a ciência moderna ao editar “Origem das Espécies”, obra na qual expõe a teoria da evolução. Chineses e gregos da antiguidade já haviam admitido que formas de vida podiam se transformarem com o tempo e até desaparecer. O grande mérito de Darwin foi sua capacidade multidisciplinar e o processo de que usou para extrair conclusões baseadas em décadas de observação.

Sua teoria, combatida por todo século 20, consolidou-se com os chamados neodarwinistas e com o espetacular desenvolvimento da genética, capaz de explicar como funciona a transmissão das características hereditárias. Ernest Mayr, por exemplo, demonstrou que o isolamento é a chave da questão e como ambientes isolados exercem pressões evolucionárias diversas sobre uma espécie, fazendo-a mudar em direções diferentes, até desgarrar-se do plantel original.

Foi a evolução que nos deu essa maravilhosa biodiversidade de nosso planeta.

Costumava usar com meus alunos o exemplo da crisálida, ou seja, a ninfa dos lepidópteros, etapa intermediária entre a feia lagarta e a bela borboleta. Essa maravilhosa transformação deve incentivar-nos a buscar uma contínua mudança para melhor, quer em nossos conhecimentos, como em nosso comportamento em relação aos demais.

Insistia com eles que a comparação é fundamental, para chegarmos a uma avaliação, quanto a nossa conduta. É o que fazem os atletas, comparam-se aos recordistas e avaliam se melhoraram ou não seus tempos de performances.

Devemos, também, buscar não sermos omissos. O pecado da omissão, na maioria das vezes, é mais grave do que os de nossas más ações, aliás, já 1650 o padre Antonio Vieira, no “Sermão da Primeira Dominga do Advento” advertiu: “Os menos maus perdem-se pelo que fazem, que estes são menos maus. Os piores perdem-se pelo que deixam de fazer, que estes são os piores: por omissões, por negligências, por descuidos, por desatenções, por divertimentos, por vagares, por dilações.

Camões versejou: “Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades. / Muda-se o ser, muda-se a confiança; / Todo o mundo é composto de mudança, / Tomando sempre novas qualidades”. Aqui, constatamos que nossas autoridades tomam sempre novos defeitos, ou melhor, aprimoram os antigos.

A história da Terra faz-nos ver que as mudanças são inevitáveis e que houve delas sempre boas e más. Mostra-nos ainda que toda alteração ameaça a estabilidade. Nossas autoridades, pelos relatos que nos chegam, não buscam mudanças para melhor, muito menos que possam ameaçar a estabilidade dos maus, punindo-os exemplarmente. Até pouco tempo atrás se costumava afirmar que quanto mais se mudava, mais ficava a mesma coisa. Agora, já não é mais possível fazer essa afirmação – a cada dia surgem denúncias cada vez mais graves contra aqueles que deveriam ser nossos guardiões. Como Juvenal, o escritor latino, que vivenciou a decadência dos costumes de Roma, somos obrigados a indagar: “Sed quis custodiet ipsos custodes?” (Quem guardará (fiscalizará) os próprios guardas?).

Se nossa sociedade não se levantar, se nossos empresários não se convencerem de que é urgente uma tomada de posição, de peitarem o descalabro, assistiremos a uma inevitável metamorfose para pior. Continuaremos eternas lagartas sem alçar o vôo e deixaremos aos nossos pósteros indigna herança e indigna história.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do SAMPI

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