Pandemia e Pandemônio: que lembranças ficarão?

Por David Chagas | 15/06/2020 | Tempo de leitura: 3 min

Encontro velho amigo, distante no tempo e na vida, e posso ouvir dele iguais considerações. Sente como eu a cavalgada trôpega do tempo, o mal que se espalha pelo mundo, a balbúrdia domingueira no Planalto Central do país, o nomear e exonerar constante de nomes, no jornal oficial, antes mesmo que digam a que vieram, sem que nos permita reconhecer o quanto de acerto e engano houve na escolha feita.

Também, nas juninas manhãs palacianas, truculento quando defrontado, revela desgostar-se dos adversários e os maltrata publicamente em discurso grotesco, revelando desconforto e desprazer em estar ali. Por vezes, amplia ainda mais seu incômodo no comando de país sofrido e desarrumado e deita o verbo, sem dó nem piedade, com palavreado pouco digno para o posto que ocupa. Não hesita em fazer calar a boca, seja de quem for, ou mandar pôr-se dali para fora, todo aquele que não comungar de suas ideias.

Em meio a tantos impropérios, no palácio que o acolhe, insiste em afirmar| que “a casa é sua”, ainda que patrimônio nosso, expondo, sem misericórdia de si mesmo, quanto anda inseguro do que faz ou tem a fazer e de quem o assessora. Falta-lhe, com alguma elegância na postura e na fala, ajudar-nos a saber a que veio e o que pretende deixar para a História? Fosse ele, me afastaria de imediato dos próximos mais próximos capazes de destruir, suponho, o aprendido na infância vivida no interior paulista onde cresceu, camisa aberta ao peito, pés descalços, braços nus, saboreando, da simplicidade, o bom da vida.

Quem terá semeado no seu inconsciente tantas ideias desconexas, impulsos coléricos, este desejo incontido de confrontos, golpes repentinos às instituições, falação em torno da democracia com sentido avesso àquele que, segundo parece, gostaria de apresentar? O que terá feito da memória afetiva que pudesse ter ficado das casas entre bananeiras, pomar, amor, cantar que, bem ou mal, existiram durante a formação de seu caráter? Tento entender, mas não consigo saber de onde verterá tanta agressividade na pulsão com que se apresenta de modo cruel, inumano nos imperativos de sua fala parecendo transparecer sua própria consciência?

Por que se martiriza tanto com posicionamento contrário aos seus? Político desde sempre, não terá aprendido com a vida a dialogar, a respeitar o livre arbítrio, o exercício de livre escolha, fundamentos da democracia? O que o terá levado a esquecer-se dos ideais democráticos que nos norteiam e nos garantem direitos fundamentais que jamais deveriam ser desrespeitados por quem quer que seja, inclusive ele, subscritos na Carta Magna? Ou haverá quem aprecie acreditar na encenação repetida de espetáculos que mais parecem teatro do absurdo?

Isto tudo, em meio à pandemia que amedronta e mata por todo país e deveria exigir do poder maior, cuidado e atenção. Os milhares de infectados por todo o mundo, os tantos mortos denunciam inferno astral que parece não ter fim. Fiel seguidor do cristianismo, em cuja Palavra alimento esperanças, entendo o momento como alerta bastante para repensar a vida. O Capitão entenderá assim?

Não bastasse o destempero verbal, persegue a olhos vistos os que, porventura, ousam contrariar os caminhos que indica. Não haveria ninguém que, de fato, trabalhando com ele, pudesse fazer além, sugerindo cautela, prudência, cuidados? O país merece instantes menos tensos do que os vividos até aqui. Já são quase dois anos de sobrecarga de pressão em todos os sentidos sobre o cidadão comum, advinda de onde se instala o poder, cujo dever maior seria o contrário disso.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do SAMPI

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