Walterly Moretti Accorsi!

Por David Chagas | 11/05/2020 | Tempo de leitura: 3 min

Antes, em meio a contos e crônicas que nos alimentavam alegria e esperança, proseávamos, como convém a quem, louvando a Deus, reconhece no outro a face dEle. Jamais imaginei que amizade bordada com o toque da alma e franjada em ouro do sol pudesse acabar assim, de forma tão doída, obrigando-me a assistir o esfarelar da vida em tanta agonia, sem destruir força e fé. Nos últimos tempos, tentando minimizar o sofrimento e fazê-la saber da solidariedade e do carinho imenso que lhe tínhamos, conversávamos amenidades, para, assim, diminuir o peso da dor. Agora, a quem tocar o telefone nas manhãs para conversas?

Ao telefone, gostava sempre de repetir os muitos apodos que lhe dera, repetindo um a um, terminando por saudá-la com aquele nosso jeito de nos divertir nas tantas viagens que fizemos: God save the king!- a que prontamente respondia: and the queen too!

Só não imaginava, esse mundo de fantasia e encantamento criado ao longo de tantos anos de convívio, inventando histórias, pudesse desfazer-se num suspiro final que decretaria sua ausência.

As suas lembranças, nestes dias seguintes, têm sido bálsamo para ajudar seus meninos a suportarem dor e saudade. Apesar de atento e forte, sofro com eles. Difícil, porque era amizade para além da conversa diária, da troca de carinho, do respeito. De Walterly sempre tive uma palavra certa para entender como, o que, quem embaralhava os dias e, com habilidade única, sentir que desfaria nós, iluminaria olhares, rasgaria sorrisos dissipando angústia e medo.

A presença, agora, é a da ausência, incômoda e voraz, provocando saudade na sua forma mais profunda. Entende? “Saudade de tudo!/ Saudade, essencial e orgânica, de horas passadas, que eu podia viver e não vivi!”

Nem mesmo os amanheceres vistos de seu apartamento nas alturas do Céu Azul, na Voluntários, nem o trajeto do rio na distância, pelos lados da Nova Piracicaba, incitando o olhar, revelando mais e mais encantos da cidade na manhã piracicabana em todo seu esplendor, encorajam. Falta Walterly e suas exclamações exageradas diante da grandeza de Deus ao adornar a terra que a viu nascer e amava tanto, tanto, que impossível fora saber quanto!

Com a primeira grande friagem de outono, tempo que escolheu para despedir-se, quis ver uma vez mais a neblina surgir das águas do Piracicaba dando à cena mistério. Ao estar ali em madrugada de lua cheia e grande, e recordar o que costumavas dizer, deixei por lá, “soluços ao luar, choros ao vento”, só mesmo ouvidos por estes vagos e etéreos contornos.

O que recordo agora, ao mesmo tempo remoto, ao mesmo tempo, presente, “visões ignotas”, por instantes, torturando-me, em outros, estimulando ainda mais a pungência da saudade. No primeiro raio de sol, ela e suas múltiplas formas de provocar risos e amenizar dor, alma e corpo, “como quem fecha numa gota/ o Oceano/ afogado no fundo de si mesmo”. Para sempre, minha grande amiga, Walterly Moretti Accorsi!

Notas:

1. Agradeço muitíssimo o carinho, o apreço demonstrado nas redes sociais à figura de Walterly Moretti Accorsi, dirigidos a mim e a meus sobrinhos queridos, Walter Radamés e José Ricardo, filhos dela, agora, “ânsia voraz de me fazer em muitos,/ fome angustiosa da fusão de tudo/ sede da volta final da grande experiência.”

2. Agradeço, também, as centenas de mensagens a mim enviadas em período difícil, comentando meu artigo da semana passada “E daí?”, amenizando com isso a tristeza imensa que tomou conta de mim. Telefonemas, mensagens por e-mail, mensagens nas diferentes redes sociais deram-me a certeza da continuidade da vida e a necessidade de estar atento a tudo.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do SAMPI

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