Elas, com todas as letras

Por David Chagas | 08/03/2020 | Tempo de leitura: 3 min

A figura materna permanece em mim como se tivesse, ainda agora, saltado pra vida. O leitor, a quem prezo tanto, sei não o que possa pensar. Vejo, velho que sou, o quanto pude ter desta mulher, única na vida de cada um, a melhor lição para ter a coragem que viver exige. Tive esta sorte! Entendo, até mesmo, a razão de seu nome, tão significativo para todos nós, escolhido por seu pai para que carregasse consigo toda a vida e nos fizesse, a mim e aos meus, nascendo dela, bem-vindos, mesmo reconhecendo a hostilidade do mundo.

Se de Maria, flor bendita entre todas, nasceu o Salvador, dela, brotaram minhas irmãs, por quem tenho imenso amor e de quem me orgulho tanto pela inteligência, pelo caráter, pela cultura, pela forma de enfrentar, com igual coragem e dignidade, a vida, e eu.

Dito isto e observando o que ficou dos anos idos, me lembro, com respeito, de algumas professoras que pontearam meus dias, fazendo figurar em Cida Bilac Jorge, poetisa notável, mestra exemplar, ser humano querido, a representação delas. Esquecer? Como!

Assim, também, na Universidade, Madame Hall e sua disponibilidade em discutir temas de Literatura Francesa, de tal modo, que, passados anos, permanecem em mim, vívidos como se os tivesse aprendido ainda ontem.

No correr da vida, a Literatura – sempre a literatura! – além de prazer, ofereceu-me lições extraordinárias permitindo-me entender ainda mais o ser em si mesmo, em sua dimensão ampla e fundamental, exigindo de mim, para com as mulheres, especialmente, aplauso, respeito e admiração não só pela natural beleza que nelas há, mas pelo que revelam, de modo especial, no rosto, com “essa cor só encontrável no terceiro minuto da aurora”, fazendo-as refletir e desabrochar ao olhar dos homens.

No caminho, encontrei, para não esquecer jamais, além das minhas, Cecília de Arruda Campos, Zezé Gordo Palo, Zuza Pimentel, Lúcia Abdalla, Walterly Accorsi, Zeine Juabre Muçouçah, Sylvia Curi Mello Ayres, Maria Helena Corazza, Sandra Baldessin, Sônia Alem Marrach, Marília Ungaretti Selingardi e outras tantas e tantas outras. Nas andanças pelo mundo, irretocável na lembrança, a figura extraordinária da embaixadora Heloisa Vilhena de Araújo, escritora e diplomata exemplar, minha amiga e generosa leitora.

Neste dia oito de março deveria escrever algo que fosse além de tudo o que já se escreveu. Não há como. Diante da sabedoria delas, da sua forma de ver e saber a vida, de interpretar o mundo, que pequenez, a minha! Tudo o que li, aprendi e sei, escrito por elas, revelam o quanto estão adiante, desdobráveis que são, percorrendo distintos caminhos, fazendo múltiplas coisas, entregando-se, com perfeição a diferentes afazeres. Os homens, em geral, se preocupam com o fato óbvio diante de questões fundamentais de alcance universal. Elas, não! Para determinados assuntos, lhes basta, a eles, algum conhecimento de política, de relações internacionais, de economia. Para estarem à altura, precisam aprender com elas das razões e emoções da natureza humana.

A tal educação sem custo, expurgada de associações científicas a que se pode chamar de psicologia, como nos ensina Virgínia Woolf, recolhida de tudo o que aprenderam ao desdobrar-se em múltiplas vidas esquecendo-se delas, é o que lhes traça, para quem sabe ver, contorno, alma, aura.

Hoje já não aceitam com passividade as diferenças impostas indevidamente entre os gêneros. Reivindicam com bravura seus direitos, fazendo lembrar o quanto nos apequenamos ao ignorarmos isto.

Simone de Beauvoir, genial pensadora, convenceu-me a entregar-me a suas sutis reflexões filosóficas oferecendo-me leitura capaz de obrigar-me à reflexão acerca da existência humana chegando, com isto, a um ponto que só ela mesma, por sua originalidade absoluta e clareza de ideias, permitiria chegar.

Ao falar delas, hoje e sempre, letras em maiúsculas, por favor. Trazem a poesia nos dedos e nos sorrisos. Ao tocá-las, gestos nobres. Aço, neste caso, serve apenas para refletir delas, a luz.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do SAMPI

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