“Tudo tem seu tempo”

Por Luiz Xavier | 13/02/2020 | Tempo de leitura: 3 min

Muitas pessoas têm questionado a campanha da ministra Damares Regina Alves (pastora evangélica, Ministra da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos). Reproduzo aqui uma reflexão interessante sobre essa campanha baseado num artigo da jornalista, Lia Bock.

“É claro que a ministra Damares tem a melhor das intenções ao propor a abstinência sexual para barrar a gravidez adolescente na campanha ‘Tudo tem seu tempo’ que entrou oficialmente no ar no início deste mês. Ninguém duvida da boa vontade da ministra. Porém, táticas antigas de tratar o tema não são necessariamente a forma mais inteligente de lidar com o assunto. Não é à toa que a maioria dos especialistas (que nem sequer foram consultados), gente que trabalha com gravidez adolescente e com educação sexual, é contra a proposta (entidades como a Associação Brasileira de Pediatria se posicionaram contrárias – até a Defensoria Pública da União alertou o Ministério da Saúde que não existem evidências entre uma coisa e outra)”.

“O raciocínio é simples: quando colocamos a abstinência para os jovens na mesa criamos um distanciamento entre a proposta e a realidade deles. Sim, porque nas conversas, nas festas e nos zaps da vida o sexo já faz parte. É como se tivéssemos chegado atrasados. E isso nos afasta desses jovens, criando um abismo onde deveria haver uma ponte. E em vez de os jovens se sentirem confortáveis para falar do assunto, para tirarem dúvidas ou contarem suas histórias, eles se calam. É nesse silêncio que mora a gravidez adolescente e também a disseminação de ISTs – Infecções Sexualmente Transmissíveis”.

“A proposta por abstinência não leva em conta a vida dos jovens, o que eles pensam ou fazem, e isso quebra a possibilidade de diálogo, fundamental para criar consciência e mudar o cenário atual. Precisamos ter em mente que a culpa não tem funcionado como tática de evitar gravidez. Criar um ambiente de proibição onde o sexo não é recomendado já se mostrou uma proposta falha”.

“Lembro aqui do caso da menina que tinha um namorado e que foi privada de informações sexuais. Ela chegou a ser trancada quando ele teve que dormir em sua casa. O que aconteceu? Ela engravidou. Esse é só um exemplo isolado de uma realidade cruel. Não só porque ela foi poupada de informações e acabou engravidando, mas também porque foi expulsa de casa e culpada por não saber, por não se prevenir e, claro, por transar”.

“A campanha anuncia como sendo muito inovadora, mas usa argumentos que vêm sendo utilizados há tempos e já se mostraram ineficientes. A guerra ao sexo, que pode vir disfarçada de preceito religioso ou de proposta de abstinência programada, não evita gravidez – ela evita diálogo, e a falta deste favorece a desinformação que consequentemente leva a mais gravidez adolescente. Todo mundo sabe que esse papo de abstinência não dá certo”.

E não estou dizendo aqui que devemos sair falando de sexo com jovens de qualquer idade. Mas imagine uma menina de 17 anos que já não é mais virgem e fala de namoro e sexo com as amigas com frequência escutando que adiar o começo da vida sexual é boa opção. Vocês acham que ela vai prestar atenção nesta conversa? Vocês acham que, de repente, ela vai dizer ‘nossa, como não pensei nisso antes, melhor só transar depois do matrimônio formal?’

A campanha inclui vídeos e materiais informativos, mas não se refere ao uso de preservativos e o Brasil é um dos países onde se perde a virgindade mais cedo e onde o índice de gravidez adolescente está acima da média da América Latina.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do SAMPI

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