O STJ (Superior Tribunal de Justiça) negou recurso da defesa e manteve a decisão que rejeitou o habeas corpus solicitado pelo médico de Taubaté Rui Noronha Sacramento, que foi condenado no ‘Caso Kalume’, como ficou conhecido nacionalmente o esquema de tráfico de órgãos humanos descoberto na década de 1980.
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A apelação foi analisada pela Quinta Turma do STJ em sessão virtual. Os cinco ministros - Messod Azulay Neto, Reynaldo Soares da Fonseca, Ribeiro Dantas, Joel Ilan Paciornik e Carlos Cini Marchionatti - se manifestaram contra o recurso. Procurada pela reportagem, a defesa do médico não se manifestou.
Rui e Mariano Fiore Junior, que é outro médico condenado no caso, já tiveram habeas corpus negados pelo Tribunal de Justiça. No caso de Mariano, a defesa recorreu, mas a apelação ainda não chegou ao STJ.
Com os habeas corpus, as defesas pedem que ou seja suspensa a decisão de outubro de 2024 que determinou a prisão dos médicos ou que os réus possam cumprir as penas em prisão domiciliar. Rui e Mariano seguem foragidos desde do ano passado.
A denúncia foi feita ao Cremesp (Conselho Regional de Medicina de São Paulo) em 1987 pelo médico Roosevelt Kalume, então diretor da Faculdade de Medicina de Taubaté. Kalume, que morreu no início de 2025, relatou que colegas de profissão haviam implantado um programa ilegal de retirada de rins de pacientes ainda vivos para doação e transplantes.
O caso, que foi batizado com o nome do denunciante, ficou conhecido nacionalmente e passou a ser investigado pela Polícia Civil. O inquérito, concluído apenas em 1996, apontou que os quatro médicos eram responsáveis pelas mortes dos quatro pacientes, ocorridas em 1986, no antigo Hosic, que funcionava onde fica atualmente o Hospital Regional.
Durante a investigação, peritos do IML (Instituto Médico Legal) apontaram que os documentos disponíveis nos prontuários não eram suficientes para atestar os quadros de morte encefálica - ou seja, que nem todos os exames necessários haviam sido realizados. Em um dos casos, os peritos afirmaram que os laudos apontavam que o sistema de irrigação intracraniana estava ativo, o que é incompatível com o diagnóstico de morte encefálica.
Um dos acusados, o médico Antônio Aurélio de Carvalho Monteiro, morreu em maio de 2011, antes do caso ser julgado. Em outubro de 2011, os outros três réus – os médicos Pedro Henrique Masjuan Torrecillas, Rui Noronha Sacramento e Mariano Fiore Junior – foram a júri popular e acabaram condenados a 17 anos e seis meses de prisão.
No júri popular de 2011, uma enfermeira foi ouvida como testemunha e disse que presenciou quando um dos médicos enfiou um bisturi no peito de um dos pacientes que ainda se debatia.
Os quatro casos considerados homicídios dolosos foram as mortes de José Miguel da Silva, Alex de Lima, Irani Gobo e José Faria Carneiro. Pela denúncia do MP, eles morreram após a retirada dos rins, que depois seriam levados para São Paulo, para uma rede de transplante de órgãos.
Os médicos, que afirmam que os pacientes já estavam mortos quantos os rins foram retirados e que os prontuários analisados pela investigação estariam incompletos, recorreram ao Tribunal de Justiça para pedir a anulação do júri popular, sob a alegação de que houve cerceamento de defesa e que a decisão dos jurados teria contrariado as provas do processo, mas a condenação foi mantida pela 6ª Câmara de Direito Criminal em junho de 2021 – os desembargadores determinaram apenas a redução da pena, que passou a ser de 15 anos de prisão.
Os médicos ainda têm recursos pendentes de julgamento, nos quais pedem que o STJ (Superior Tribunal de Justiça) e o STF (Supremo Tribunal Federal) anulem o júri de 2011. Além de não terem sido presos ao longo do processo, os três médicos continuaram com os registros ativos no Cremesp – eles podiam trabalhar normalmente porque foram absolvidos das acusações de tráfico de órgãos e de eutanásia nos procedimentos administrativos e éticos do Cremesp, em 1988, e do CFM (Conselho Federal de Medicina), em 1993.
Em setembro de 2024, após o STF decidir, em outro processo, que condenados por júri popular podem ser presos imediatamente, a família de Alex de Lima pediu a prisão dos três médicos que continuavam vivos.
Após concordância do MP, o juiz Flavio de Oliveira Cesar, da Vara do Júri de Taubaté, expediu os mandados de prisão no dia 14 de outubro. Três dias depois, um dos médicos, Pedro Henrique Masjuan Torrecillas, que tinha 70 anos, morreu em uma chácara da família, em Indaiatuba. Com isso, o processo foi extinto com relação a ele.
Passados mais de cinco meses, os outros dois médicos - Rui Noronha Sacramento e Mariano Fiore Junior - continuam foragidos. As defesas de ambos pedem que ou os mandados de prisão sejam anulados ou que os médicos possam cumprir a pena em prisão domiciliar, mas até agora essas solicitações foram negadas em todas as instâncias.