A Justiça rejeitou o pedido para que o médico de Taubaté Mariano Fiore Junior, que foi condenado no ‘Caso Kalume’, como ficou conhecido nacionalmente o esquema de tráfico de órgãos humanos descoberto na década de 1980, pudesse cumprir a pena em prisão domiciliar.
O pedido de prisão domiciliar havia sido feito pela defesa do médico, que alegou que Fiore Junior está com 76 anos e é portador de cardiopatia grave, e que necessitaria de cuidados específicos que seriam inviáveis de serem cumpridos em ambiente carcerário.
Em decisão publicada na tarde dessa quarta-feira (30), o juiz Flavio de Oliveira Cesar, da Vara do Júri de Taubaté, apontou que a concessão da prisão domiciliar "demanda a comprovação, pelo réu, de que a assistência médica de que necessita não pode ou não vem sendo prestada pelo estabelecimento prisional onde se encontra custodiado", e que no caso, "apesar da aparente seriedade da condição de saúde do réu, na documentação apresentada não se evidencia a comprovação, de forma inequívoca, de que o tratamento necessário para o controle da doença não lhe possa ser adequadamente fornecido em ambiente prisional".
O juiz ressaltou ainda que, como "o réu permanece foragido até o momento", isso impede o magistrado "de avaliar as condições específicas de sua saúde e as do presídio em que eventualmente venha a ser custodiado".
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Procurada pela reportagem, a defesa do médico não havia se manifestado até a publicação do texto. O espaço segue aberto.
No último dia 21, a 6ª Câmara de Direito Criminal do Tribunal de Justiça já havia negado os habeas corpus solicitados pelas defesas de Fiore Junior e de Rui Noronha Sacramento, outro médico condenado no caso. Nos habeas corpus, os advogados pediam que ou fosse suspensa a decisão que determinou a prisão dos médicos ou que os réus pudessem cumprir as penas em prisão domiciliar.
A denúncia foi feita ao Cremesp (Conselho Regional de Medicina de São Paulo) em 1987 pelo médico Roosevelt Kalume, então diretor da Faculdade de Medicina de Taubaté. Kalume relatou que colegas de profissão haviam implantado um programa ilegal de retirada de rins de pacientes ainda vivos para doação e transplantes.
O caso, que foi batizado com o nome do denunciante, ficou conhecido nacionalmente e passou a ser investigado pela Polícia Civil. O inquérito, concluído apenas em 1996, apontou que quatro médicos eram responsáveis pelas mortes de quatro pacientes, ocorridas em 1986, no antigo Hosic (Hospital Santa Isabel de Clínicas), que funcionava onde fica atualmente o Hospital Regional.
Um dos acusados, o médico Antônio Aurélio de Carvalho Monteiro, morreu em maio de 2011, antes do caso ser julgado.
Em outubro de 2011, os outros três réus – os médicos Pedro Henrique Masjuan Torrecillas, Rui Noronha Sacramento e Mariano Fiore Junior – foram a júri popular e acabaram condenados a 17 anos e seis meses de prisão. Eles diziam ser inocentes e afirmavam que os pacientes já estavam mortos quantos os rins foram retirados.
No júri popular de 2011, uma enfermeira foi ouvida como testemunha e disse que presenciou quando um dos médicos enfiou um bisturi no peito de um dos pacientes que ainda se debatia. Os quatro casos considerados homicídios dolosos foram as mortes de José Miguel da Silva, Alex de Lima, Irani Gobo e José Faria Carneiro. Pela denúncia do MP, eles morreram após a retirada dos rins, que depois seriam levados para São Paulo, para uma rede de transplante de órgãos.
Os médicos recorreram ao Tribunal de Justiça para pedir a anulação do júri popular, sob a alegação de que houve cerceamento de defesa e que a decisão dos jurados teria contrariado as provas do processo, mas a condenação foi mantida pela 6ª Câmara de Direito Criminal em junho de 2021 – os desembargadores determinaram apenas a redução da pena, que passou a ser de 15 anos de prisão.
Além de não terem sido presos ao longo do processo, os três médicos continuaram com os registros ativos no Cremesp – eles podiam trabalhar normalmente porque foram absolvidos das acusações de tráfico de órgãos e de eutanásia nos procedimentos administrativos e éticos do Cremesp, em 1988, e do CFM (Conselho Federal de Medicina), em 1993.
O pedido para que fossem presos os três médicos partiu da família de uma das quatro vítimas, Alex de Lima. A solicitação foi feita em setembro desse ano, logo após o STF (Supremo Tribunal Federal) decidir, em outro processo, que condenados por júri popular podem ser presos imediatamente. Após o julgamento do Supremo, a família de Alex de Lima pediu que esse entendimento fosse adotado no caso de Taubaté.
Antes de analisar o pedido da família da vítima, o juiz Flavio de Oliveira Cesar, da Vara do Júri de Taubaté, consultou o Ministério Público, que foi favorável à imediata execução das penas. Os mandados de prisão foram expedidos no dia 16 de outubro.
Um dia após a expedição dos mandados de prisão, um dos médicos, Pedro Henrique Masjuan Torrecillas, que tinha 70 anos, morreu. Segundo a defesa, ele faleceu após sofrer um mal súbito em uma chácara da família, em Indaiatuba. Com a morte, o processo será extinto com relação a Torrecillas.