Ideias

ensaio sobre a cegueira e um amor invisível

Por Guilhermo CodazziJornalista e escritor, editor-chefe de OVALE e Gazeta de Taubaté | 21/03/2020 | Tempo de leitura: 2 min

Ensaio sobre a cegueira.

Ao percorrer as ruas vazias, observando pessoas com máscaras e o corre-corre quase apocalíptico para os supermercados, logo me vem à memória a obra do escritor português José Saramago (1922-2010), publicada no ano de 1995 e levada às telas do cinema pelo diretor brasileiro Fernando Meirelles 13 anos depois. Na história, o mundo se vê abalado por uma epidemia: a 'treva branca'. A doença, que espalha-se de forma incontrolável, tira a visão de seus infectados. Em quarentena, a sociedade cega percebe-se reduzida à essência humana, em uma viagem às trevas. Os tempos são sombrios. Saramago destacava a responsabilidade de ter olhos quando outros os perderam.

Fechar os olhos para ver.

Na história, a humanidade, com toda a tecnologia e civilidade que se orgulha de ter criado, em pouco tempo libera os instintos mais animalescos. "Dentro de nós há uma coisa que não tem nome, essa coisa é o que somos", escreveu o genial português.

Falando em cegueira, seria uma visão pessimista da nossa realidade? "Não sou pessimista. O mundo é que é péssimo", responderia o Nobel de Literatura.

Fechando os olhos, o que veremos dentro de nós, em 2020, tendo adiante uma crise tão severa, agravada por um governo cegado por sua ineptidão? Que natureza vai emergir no nosso peito?

"Se tens um coração de ferro, bom proveito. O meu, fizeram-no de carne, e sangra todo dia", sentenciou. "Não tenhamos pressa, mas não percamos tempo".

Seria eu mais otimista?

Diante de um cenário tão grave, com milhares de vidas em risco e risco de colapso econômico, ser otimista é algo impensável.

No entanto, ao fecharmos nossos olhos para ver, acredito que é possível refletirmos sobre muitos aspectos. O que não víamos, mas agora enxergamos?

Serão meses de confinamento e rígidas (e corretíssimas) orientações para que evitemos abraços, beijos e até mesmo um aperto de mãos. Há quarentena de amor?

Tal sentimento, que pode se traduzir de variadas formas, estava mesmo circulando livremente?

Você o via nas esquinas?

Mascarado, talvez? Ou no olhar de estranhos que se cruzavam na fila do oftamologista? Recuperar a lucidez, resgatar o afeto. Agora cegos, voltaremos a ver o amor?.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do SAMPI

Receba as notícias mais relevantes de Vale Do Paraíba e região direto no seu WhatsApp
Participe da Comunidade

COMENTÁRIOS

A responsabilidade pelos comentários é exclusiva dos respectivos autores. Por isso, os leitores e usuários desse canal encontram-se sujeitos às condições de uso do portal de internet do Portal SAMPI e se comprometem a respeitar o código de Conduta On-line do SAMPI.