Ideias

na janela da alma, o menino dos meus olhos

Por Guilhermo CodazziJornalista e escritor, editor-chefe de OVALE e Gazeta de Taubaté | 10/08/2018 | Tempo de leitura: 3 min

Vira e mexe, quando se abrem as janelas da alma, reencontro o negativo daquela manhã de sol. Na fotografia da memória, hoje pintada com o amarelo outonal pigmentado pelos anos que passaram-se, ainda recordo-me das férias que passamos em Paraty (RJ). Família reunida. Mãe, tios, irmãos, primos, todos juntos na casa alugada no centro histórico. Eram os anos 1980.

Eu andava de lá e para cá, de cá para lá com os bonequinhos do Rambo, guardados numa surrada sacola de pano. A rotina não podia ser melhor: acordava, tomava café e saía para brincar, ali nas ruas de pedra, até o anoitecer. Naquele tempo, tudo parecia fácil, tinha uma solução simples.

E será que não é? 

Daquela manhã, eu me lembro de uma fotografia. Nela, o menino que eu fui aparece sentado na janela, vendo a vida passar. Nas mãos, tinha um copo de Nescau e um pão com manteiga.

Um dia desses, mexendo numa caixa de fotos de família, resolvi tirar o pó das lembranças.

Usando uma pitada de fantasia e imaginação, pensei como seria o encontro entre aquele garoto, de 1986, e o homem que tornei-me, mais de 30 anos depois.

Conhecendo eles, acredito que seria mais ou menos assim...

Eu -- Oi, tudo bem?

Menino -- (Com um aceno tímido, com a cabeça, ele responde positivamente).

Eu -- Sabe quem sou eu? Imagino que não, né. Mas te conheço e muito bem. Pode parecer estranho, mas eu sou você no futuro.

Menino - Sério?! (responde assustado). Você, digo eu, não nós!? Isso, viemos do futuro? Caramba... meu cabelo, vai ficar assim?

Eu - Sim, já temos até alguns cabelos brancos. Mas fique calmo. Não é tão ruim assim, com o tempo, nós aprenderemos a rir de nós mesmos.

Menino - Não parece engraçado... o que veio fazer aqui? Já sei! É o 'De Volta para o Futuro'!?

Eu - Não, ainda não sei ao certo, para ser bem sincero. Vi nossa foto nessa janela, parecíamos tão serenos. E me deu vontade de voltar aqui, neste cantinho que a memória, para conversar com você. Ou comigo mesmo, enfim.

Menino - E o que nós fazemos, aí no futuro? Eu já vigiei carros e vendi garrafas para o Seu Mário, para poder comprar figurinha. É, vamos jogar no Corinthians?

Eu - Não fique triste, mas não vamos jogar no Timão. No entanto, vai fazer algo parecido com seu pai. E o Julio? É, hoje vocês brigam e brigam, mas vão trabalhar juntos. E vão poder comprar figurinhas da Copa juntos.

Menino - Hum... tá bom. Você quer brincar?

Eu - Não, vou deixar você brincar com os primos. E aproveite cada minuto. Aproveite também seus avós, mesmo eles querendo que você coma quiabo. Entenda: amar é um verbo que se conjuga em qualquer tempo. Tá?

Menino - Tá. Até o futuro!

Então nos abraçamos. Por um instante, pensei em alertá-lo sobre o que viria. Mas não. O caminho se faz ao caminhar. O menino que um dia eu fui despediu-se com um sorriso. O que ele vai ser quando crescer? Não sei,só posso dizer que ainda o levo comigo no olhar. Na janela da alma..

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do SAMPI

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