Ideias

A cidade que foi minha e que, hoje, não é mais

Por Guilhermo CodazziJornalista e escritor, editor-chefe de OVALE e Gazeta de Taubaté | 23/02/2018 | Tempo de leitura: 2 min

A pé, depois de tanto tempo afastado, eu percorro, passo a passo as veias abertas da velha cidade que foi minha, mas que, de concreto, já não é mais. Ao voltar para minha terra natal, a já quase quatrocentona Taubaté, os meus pés acariciam a face oculta da rua e, pisando de leve sobre os ladrilhos gastos pelas invernais estações do tempo e melancolia, me levam a passear pelas alamedas da memória. E, nesse entroncamento entre ontem e hoje, parto logo cedo em busca de uma xícara de café e do jornal, enquanto meu olhar espanta-se diante das mudanças profundas impostas pelos ponteiros da vida no cenário da terra onde nasci e cresci. Mas onde está a cidade que foi minha?

Na praça Santa Terezinha, ali tão perto de casa, havia um casarão construído respeitando a arquitetura alemã, assemelhando-se a uma daquelas simpáticas cabanas dos contos de fada -- meus irmãos (Marina e Julio) e eu, por sinal, por anos acreditávamos que ali vivia a Branca de Neve e os sete anões. Mas, o imóvel hoje 'era uma vez'. Tornou-se pretérito, dando lugar a uma insossa e tristonha farmácia de um tão combalido azul, apesar de ainda ser conjugado no presente dentro de mim. Ele segue de pé em minha lembrança, enquanto eu sigo a pé.

E caminhando daqui para lá e de lá para cá, encontrei portas fechadas, além de outras farmácias e igrejas, como a que ocupa hoje o espaço daquele antigo cinema onde eu quase nasci, no meio de uma sessão noturna de sexta-feira em 1981.

E tem remédio? Esta é a receita do 'progresso', diz o outro na prece do desenvolvimento. Seria saudosismo? Não sei. Afinal, o que é bom mesmo para a memória? Esqueci. Que pecado. Só me lembro que...

A pé, após tanto tempo afastado, eu percorro, passo a passo, as veias abertas da cidade que foi minha, mas que hoje, de concreto, já não é mais. Depois de tantos anos, porém, a reconheço onde ninguém mais a vê, no contrapé da obviedade erguida à vista de todos, tijolo por tijolo. E ela me reconhece também?

E nessa esquina da cidade que foi minha e hoje, de concreto, já não é mais, os meus pensamentos guardam morada na sombra de uma jabuticabeira que, após anos de frutos, hoje dá saudade.Colhida na pontinha do pé..

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do SAMPI

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