Ideias

pé de moleque, bola e coração de capotão

Por Guilhermo CodazziJornalista e escritor, editor-chefe de OVALE e Gazeta de Taubaté. | 13/07/2018 | Tempo de leitura: 3 min

Todo pé de moleque tem coração de capotão, chuta uma bola de meia e veste a '10' da Seleção, pintando fantasia no chão de terra batida e ilusão. E o coração de capotão bate-bate dentro do peito de um campinho qualquer. Bola? Bom, ela pode ser de papel, plástico, capotão, ser oval, redonda. Aceita-se qualquer esfera que -- tão gentilmente -- aceite a honra de ser a pelota da vez.

Vale desde a laranja caída, esquecida no fim da xepa na feira de domingo, até o colorido balão da festinha de aniversário, repleto de ar e esperança. É, como se vê, a bola nem mesmo uma bola precisa ser. Ali, naquele campinho, pouco importava se ela era de couro ou oficial, à prova d'água ou sei lá o que.

No coração de capotão, as bolas -- todas elas -- são feitas de uma mesma matéria-prima, prezado leitor. De pé de moleque.

Talvez por isso, ainda mantenha este espaço especial para as lembranças mais doces dos tempos em que a praça do Bom Conselho, em Taubaté, era palco do bate-bola da turma.

Isso, como meus fios de cabelo branco já denunciam, ocorreu no fim dos anos 80 e início dos 90 ali o bicho pegava! A vida naqueles tempos era definida na base do 10 minutos ou dois gols. No asfalto, com um tijolo ou um pedregulho, fazíamos as linhas, que, inutilmente, delimitavam o nosso campinho de sonhos.

Sim, inutilmente. Afinal, como limitar o espaço onde, no melhor estilo Coutinho/Pelé, a realidade tabelava com a nossa imaginação? Coitadas das linhas, tortas como as pernas de Garrincha e incapazes de nos parar, como os marcadores que estatelavam-se no chão atrás do Mané.

Naquele campo, fui o camisa 10. Me vesti de Pelé, Maradona, Zico, Neto e outros. Fui o maior craque do (meu) mundo de menino. Sem importar-me com os placares. Ou com o tempo -- seja o tempo do relógio ou o tempo do céu. Podia ser debaixo do sol. Ou de chuva. E aí, vamos jogar? Não havia tempo ruim. Nem o primeiro e nem o segundo. E as traves eram feitas de tijolos ou chinelos, que de maneira polivalente também podiam ser usados como luva pelos goleiros.

A escalação do meu time tinha meu irmão Julio, Dimas, Fernando e Chiquinho (ele era da rua do Colégio, mas compramos seu passe por um punhado de balas). Esse era o 'Time da Praça'. Mais tarde, chegaram nomes como o de Lu e Hil, Gordo e Sandrinho.

Ali, amizade e companheirismo trocavam passes com uma precisão germânica. Éramos um por todos e todos por um. O tempo, porém, é tão implacável quanto o matador diante do arqueiro.

No cronômetro da vida, todos crescemos. Cada um de nós pegou seu caminho. Uns foram pela ponta direita. Outros pela esquerda ou pelo meio. Há até quem já tenha deixado o campo de jogo, sendo substituído pela ausência.

Mas nem todo o tempo é capaz de apagar essas memórias. Afinal, determinadas partidas não têm fim. Elas continuam sendo jogadas aqui dentro do meu peito, tabelando com meu coração de capotão. Essas partidas imortais batem bola no campinho de terra batida chamado saudade..

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do SAMPI

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