Ideias

silêncio capaz de ensurdecer um maracanã

Por Guilhermo CodazziJornalista e escritor, editor-chefe de OVALE e Gazeta de Taubaté | 15/06/2018 | Tempo de leitura: 2 min

Dia 18 de outubro de 1964.

O Maracanã, o maior templo do futebol, está pintado de Fla-Flu. A bola desfila pelo tapete verde à procura das chuteiras imortais, deixando hipnotizados os 136.606 torcedores apaixonados. Por 90 minutos, o Rio para. Ainda no primeiro tempo, após passe pelo meio da zaga, Ubiracy recebe e empurra para a rede rubro-negra: 1 a 0 para o Flu. Festa pó de arroz.

Gol! Literalmente, gol de cinema, de Canal 100. Aos 22 anos, o jovem negro calava o Maracanã. "O silêncio da torcida do Flamengo no gol de Ubiracy foi mais ensurdecedor do que a comemoração da torcida tricolor", escreveu na época Nélson Rodrigues, fanático torcedor do time das Laranjeiras. Com o gol, Ubiracy foi alçado instantaneamente aos status de herói. Ao olimpo. Ao Panteão da bola.

O Flu, embalado, seguiu rumo ao título carioca, com um timecheio de craques, como Carlos Alberto Torres e Didi. Era tempo de fama. Calar o maior estádio do mundo parecia ser a especialidade do jovem atacante. Um ano antes, na partida final do torneio de aspirantes, fez o gol do título contra os flamenguistas, diante de 177 mil torcedores ensandecidos.

Mineiro de Leopoldina, Ubiracy, em seus tempos de glória, conseguiu ofuscar até mesmo o rei, outro filho de Minas Gerais, nascido em Três Corações.

"O público veio ver Pelé, mas viu Ubiracy", dizia a manchete do jornal após a vitória de 4 a 2 do Fluminense sobre o Santos no Pacaembu pelo Torneio Rio-SãoPaulo de 63. Aquela noite, fez dois gols. Na sequência da carreira, o atleta atuou ainda por equipes do México, onde se tornou ídolo, e Equador. Tempo em que futebol era paixão.

"A gente jogava por amor", dizia Ubiracy. Mas a fama passou rápido. E 45 anos após ser aplaudido no Maracanã, ele, hoje, vive em silêncio. Aos 66 anos, Ubiracy quase não sai de sua casa, localizada no Parque Três Marias, periferia de Taubaté. Vive com o dinheiro da aposentadoria: cerca de R$ 460. Não conta as suas histórias para os vizinhos, com medo de que pensem que está fantasiando. "Aqui, ninguém me conhece, quando está no auge, tem aplausos, depois, ninguém se lembra de você", contava. Para aquietar a saudade, lê velhos recortes de jornal.

A memória, seu bem mais valioso, está ameaçada. Em 2009, médicos diagnosticaram que Ubiracy sofre de mal de Alzhei- mer. Às vezes, quando a saudade apertar o peito, senta-se no quintal, só, com os recortes à mão. Por alguns instantes, volta aos tempos de glória. Parece ouvir o coro de 150 mil almas.

Depois, retorna ao presente.

O diagnóstico abateu Ubiracy. Crê que resta-lhe apenas aguardar o tempo passar, até o apito final. Esperar pelo seu minuto de silêncio. Um silêncio capaz de ensurdecer o Maracanã..

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do SAMPI

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