Ideias

Luz vermelha que não se apaga e cartas perdidas

Por Guilhermo CodazziJornalista e escritor, editor-chefe de OVALE e Gazeta de Taubaté. | 10/08/2019 | Tempo de leitura: 3 min

Uma luz vermelha.

Tal qual um farol, que com seu feixe luminoso ajuda os navegadores a vencerem o mar bravio, aquela luz vermelha me conduz ao porto seguro das lembranças, àquele cantinho da memória em que, em águas tranquilas, banhamos os pés e lavamos a alma.

A luz vermelha vinha de dentro do sacrário do Santuário de Santa Terezinha, na minha Taubaté de menino. Corria o ano de 1987, se minha memória não falha (em geral, ela falha), eu tinha 6 anos e estava acompanhado pela minha avó paterna, Dona Nívia. Curioso, o garoto que fui perguntou a ela: 'Vó, que luz é aquela?'.

Com a doçura que lhe era peculiar, Dona Nívia colocou-me sentadinho no colo, com um sorriso iluminado no rosto, e respondeu: 'Hum, aquela luz indica a presença de Jesus. É, ela mostra que Ele está aqui'. Com os olhos estatelados, questionei: 'Como assim?'.

É provável que minha avó, com toda a paciência do mundo, tenha tentado me explicar, que tratava-se da presença das hóstias consagradas no sacrário, mas o menino que fui queria saber de uma coisa, só de uma queria: mas onde Jesus estava escondido?

Teimoso, permaneci ali plantado, em frente ao sacrário.

'Uma hora Ele vai ter que sair, nem que seja para beber água ou para ir ao banheiro', imaginava.

O tempo foi passando, passando e mais tarde a atenção do menino deve ter tido sua atenção dispersada, passando a brincar com os meus irmãos e primos.

Além de preparar um café incrivelmente delicioso, a Dona Nívia me ensinou muitas lições importantes lições. Professora de Português na juventude, ela socorreu-me no primário, quando as notas do meu boletim eram vermelhas, como aquela luz que eu havia visto anos antes no sacrário.

Com minha avó, até estudar era gostoso. Eu chegava cedinho, tomava aquele café e subia para o quarto dela, no segundo andar. E lá, sobre uma escrivaninha, ela já deixava uma série de cartelinhas -- umas fichas, feitas com um papel mais grosso -- com as lições.

Dona Nívia explicava a matéria e deixava que eu fizesse a tarefa, voltando mais tarde para corrigir a lição. Olha, era nota 10!

Recentemente, mexendo aqui e ali, vasculhando minhas gavetas, encontrei algumas dessas cartelas, dessas fichas, em branco. Eu as trouxe há alguns anos, depois da morte da minha avó.

Na ocasião, eu queria encontrar um papel especial para uma missão para lá de especial: escrever cartas para pacientes e funcionários do Hospital São José, em um dos braços (mais fortes) do projeto Cartas Perdidas. Veio a calhar!

Trata-se da ação intitulada 'Cartas Perdidas em um Prontuário de Alegria', uma corrente do bem com o hospital (as incríveis Marielly Herrera e Dalila Araújo) e os palhacinhos do Risalhaços.

Ao receberem as cartas, pacientes abrem um sorriso. Graças às palavras, recuperam a fé, a esperança e amor. Ah, o amor é o melhor remédio, não é?

Ao encontrar as fichas da minha avó, caiu a ficha.

É, a Dona Nívia tinha razão.

Naquela manhã, ali na igreja, ela deixou uma lição: essa é a luz que não se apaga jamais.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do SAMPI

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