A Justiça condenou o Estado de São Paulo, a Prefeitura de São José dos Campos e a massa falida da empresa Selecta a pagarem indenização de R$ 5 milhões, de forma solidária, por abusos e irregularidades cometidos na reintegração de posse do Pinheirinho.
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Em resumo, o Estado foi condenado por causa da truculência da operação policial, a prefeitura por agir de forma discriminatória e segregacionista contra os moradores e a massa falida por não tomar providências para resguardar os bens dos moradores retirados do local.
A desocupação do Pinheirinho ocorreu em operação de reintegração de posse realizada em janeiro de 2012, autorizada pela Justiça, no terreno ocupado por famílias sem-teto na região sul de São José dos Campos. Cerca de 2.000 policiais militares participaram da operação.
Na época, Eduardo Cury (PL) era prefeito de São José e Geraldo Alckmin (PSB) comandava o estado de São Paulo.
O número de habitantes no Pinheirinho era estimado entre 6 mil e 9 mil pessoas (foto abaixo), que começaram a ocupar a área abandonada em 2004.

Decisão.
A sentença condenatória é da juíza Laís Helena de Carvalho Scamilla Jardim, da 2ª Vara da Fazenda Pública de São José dos Campos. Com data de 19 de fevereiro, a decisão ocorre em ação movida pela Defensoria Pública desde 2013.
A juíza explicou que a condenação solidária determina que os três réus (Estado, prefeitura e massa falida) paguem o total de R$ 5 milhões.
De acordo com a sentença, os valores arrecadados deverão ser destinados a um fundo especial para a reconstituição dos bens lesados e que ainda será especificado pela Justiça.
Estado e o município ainda foram condenados a publicar a sentença condenatória em veículos de comunicação de massa.
“A medida é de grande importância para o caso concreto, haja vista que a ampla divulgação possibilitará a ciência do seu teor pelas mais de 1.700 famílias que fazem jus ao reconhecimento dos abusos perpetrados, razão pela qual deve ser deferida”, explicou a juíza na decisão.
A Justiça, contudo, rejeitou os pedidos da Defensoria Pública para implementação de políticas públicas para atendimento psicológico das vítimas, treinamento dos policiais militares voltados à estruturação de uma política de desocupação orientada pelo respeito aos direitos humanos, qualificação profissional dos desalojados e formulação de um plano de atuação municipal para desocupações multitudinárias. Negou também pedido de indenização material por danos ambientais.
Prefeitura.
Na ação, a Defensoria Pública disse que o meio escolhido pela prefeitura para desconstituir a comunidade pautava-se “no trato discriminatório com os moradores dos limites geográficos do Pinheirinho, bem como outras formas de constrangimento”.
Para o órgão, o intuito era “segregar estes moradores e posicionar opinião pública contra esta comunidade, forçando assim, de forma ilegítima, desintegração desta coletividade”.
“Ao que se infere dos autos, o poder público efetivamente lançou mão de retórica discriminatória e segregacionista dirigida aos ocupantes do Pinheirinho, como se pode constatar da imposição de negativa de acesso dos ocupantes da área a serviços públicos essenciais, vez que os sistemas de saúde e de ensino, por exemplo, passaram a não mais admitir cadastros com endereço Pinheirinho”, diz trecho da sentença.
A Defensoria ainda relatou que, logo após a desocupação, foi concedido aos ex-moradores do Pinheirinho benefício habitacional no montante de R$ 500, quantia inferior aos valores médios dos aluguéis cobrados no mercado, avaliado em R$ 800, portanto, “insuficiente para suprir a demanda habitacional”.
Outro lado.
Procurada, a Prefeitura de São José dos Campos se manifestou por nota sobre a decisão judicial e disse que vai recorrer da sentença. Leia o texto na íntegra:
"A Prefeitura de São José dos Campos recorrerá da condenação em danos morais, vez que os fundamentos postos na sentença para configurar o referido dano, tais como violação dos direitos humanos, não procedem com a realidade dos fatos, o que será demonstrado em recurso próprio", afirmou.
"Em relação às políticas públicas, a Prefeitura informa que o bairro Pinheirinho dos Palmares começou a ser implantado em 2016, em parceria com o Governo do Estado de São Paulo, com a construção de novas casas com melhores condições de moradia. De lá para cá, no bairro foram construídas creche e escola de ensino fundamental."
"A atual gestão do prefeito Anderson definiu, no plano de governo para o mandato de 2025-2028, a construção da nova UBS Resolve do Pinheirinho dos Palmares, nova unidade do Cras (Centro de Referência da Assistência Social) e do novo poliesportivo do bairro", completou.
Estado.
No caso do governo estadual, segundo a ação, houve “injustificado emprego de gás lacrimogêneo pelos policiais militares, dispersado através de helicópteros, contra a comunidade do Pinheirinho”.
A sentença também fala em “alvejamento dos moradores por balas de borracha logo após a saída de suas residências, sem que tenha sido apresentada pelo ente qualquer prova contundente a respeito de sua necessidade, como seria o caso, por exemplo, de comprovada e atual resistência agressiva por parte da população, ônus que cumpria ao poder público”.
“É certo que havia notícias de que a população iria resistir de forma agressiva ao cumprimento da ordem. Porém, reitero que o cumprimento da ordem se deu de forma precipitada, sem contar com a estrutura necessária à remoção dos pertences dos moradores e sem a mínima estrutura para o abrigamento da comunidade com dignidade; sem falar nos danos aos animais, que ficaram abandonados na área, sem comida e água”, afirmou a magistrada, que aponta “abuso de poder por parte dos policiais militares mobilizados para operação”.
A juíza cita “diversos relatos de violência física contra os ocupantes” e destaca que há, nos autos do processo, 23 exames de corpo de delito atestando escoriações, hematomas e outras sequelas nos então abrigados, além de violência verbal – 36% dos 466 entrevistados para o relatório do Condepe (Conselho Estadual de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana) narram ter sido vítimas de ameaças e xingamentos e indevida retirada pelos agentes dos seus identificadores nominais durante o ato de reintegração.
“Embora a ordem inicial de reintegração de posse tivesse contado com exigências prévias de recursos humanos e materiais, incluindo estrutura de enfermaria e vans para transporte dos ocupantes e de seus pertences aos abrigos, a liminar fora executada sem a sua disponibilização, contribuindo definitivamente para a maior exposição da população a riscos inadmissíveis, haja vista o contingente de aproximadamente 1.500 crianças e idosos no local.”
A Justiça aponta ainda que a desocupação se concretizou “sem resguardar os direitos patrimoniais dos ex-ocupantes”, que tiveram “pertences extraviados ou destruídos” – 86% deles não tiveram seus bens listados por oficial de justiça e 34% das residências foram demolidas com todos os bens móveis em seu interior.
A decisão ressalta ainda que não foi concedido “prazo razoável” à desocupação antes do emprego da força policial e “não foi permitido que a população tivesse contado com a assistência jurídica da Defensoria Pública e dos advogados do movimento social”.
“Os Defensores e Advogados foram em verdade impedidos de se aproximar do perímetro cercado pela Polícia Militar, de modo que a população não pode contar com a devida assistência jurídica”, escreveu a juíza.
A SSP (Secretaria de Estado da Segurança Pública) foi procurada pela reportagem e se pronunciou por meio de nota. Leia o texto na íntegra.
"Os fatos foram devidamente apurados por meio de Inquérito Policial Militar instaurado pela Corregedoria da Polícia Militar e encaminhado à Justiça. Todos os procedimentos e abordagens da PM são analisados e revisados rotineiramente visando oferecer sempre o melhor serviço à população. Até o momento, o Estado não foi notificado sobre a decisão judicial. A Instituição ressalta, ainda, que as ações de reintegração de posse ocorrem somente por determinação da Justiça", afirmou a pasta.