
O governador Tarcísio de Freitas (Republicanos) tem um desafio gigantesco nas mãos: como reagir frente ao número crescente de mortes cometidas por policiais militares no Estado de São Paulo e à violência atribuída à corporação? Trata-se de um assunto difícil, que requer respostas claras à sociedade.
O tema está na pauta do dia, quase todos os dias.
Na última terça-feira, por exemplo, dados divulgados pelo Gaesp (Grupo de Atuação Especial da Segurança Pública e Controle Externo da Atividade Policial), do Ministério Público, apontaram que o número de mortes cometidas por policiais militares no Estado cresceu 65% em 2024, segundo ano da gestão Tarcísio, comparadas a 2023. De 1º de janeiro a 31 de dezembro de 2024, 760 pessoas foram mortas por policiais militares no Estado, contra 460 em 2023. Da 760 mortes, 640 foram praticadas por PMs em serviço e 120 por PMs de folga. Uma média de duas pessoas mortas por dia.
É o maior patamar da década, números que remetem a antes da introdução das câmeras corporais nos uniformes da PM, outro tema difícil ao governo.
A Secretaria da Segurança Pública diz que todos os casos de morte decorrentes de intervenção policial são foco de rigorosa investigação, com acompanhamento das respectivas corregedorias, MP e Judiciário. Não se espera outra coisa. Mas é oportuno, quem sabe, recalcular a rota frente a dados como esses do Gasep/MP e casos emblemáticos de excessos registrados no final de 2024 e que chocaram a sociedade – como, por exemplo, o caso do motociclista jogado de uma ponte em São Paulo e as mortes violentas registradas na Baixada Santista.
É salutar apontar que esses episódios, lamentáveis, já mexeram com o governo. Mas é preciso avançar mais. Existe espaço para isso?
Nos últimos tempos, o governador Tarcísio de Freitas tem tido uma postura mais pacífica em relação ao uso de câmeras corporais pela PM, tornadas obrigatórias pelo STF (Supremo Tribunal Federal), e a realização de cursos de reciclagem para policiais da ativa. Em dezembro, Tarcísio chegou a admitir que sua posição anterior, crítica ao uso de câmeras corporais, estava errada. “Eu era uma pessoa que estava completamente errada nessa questão”, disse ele. O governo também tem sido crítico em relação a abusos cometidos por PMs, tentando separar a corporação do que classifica como “casos isolados”.
Isso ficou também claro na última entrevista do vice-governador Felício Ramuth a OVALE, na ocasião substituindo Tarcísio à frente do Palácio dos Bandeirantes.
Perguntado sobre eventuais excessos da polícia, Felício cobrou uma participação maior do governo federal na área da Segurança Pública, elencou ações do Estado no combate à criminalidade, defendeu o uso das câmeras corporais e classificou os casos de violência como episódios pontuais. “São mais de 80 mil homens e mulheres (na Polícia Militar), 83 mil aproximadamente, e, infelizmente, como em todas as profissões, a gente tem bons e maus profissionais”, disse. E completou: “Se você olhar nos últimos dois anos, nós somos um governo que mais puniu policiais ao longo da história com expulsão e suspensão”.
Para Felício, o aumento de confrontos é consequência da polícia estar cada vez mais presente nas ruas. “O Estado tem (hoje) o menor número de homicídios da história em 24 anos de medição. Isso significa que a população está mais segura. Vale lembrar que São Paulo é o mais seguro do Brasil.”
Equilibrar polícia presente nas ruas, população segura e redução dos casos de excesso policial é o desafio que está nas mãos do governador.
Tarcísio tem hoje força política para buscar soluções. O risco é cair em alguma armadilha. E elas existem. Levantamento da Paraná Pesquisas divulgado em 14 de janeiro, mesmo dia em que o Gaesp/MP revelou os dados sobre letalidade policial, mostra que a maioria dos brasileiros (53,1%) aprova a chamada política “linha-dura” do governador para a Polícia Militar. Na contramão desse “liberou geral”, famílias de vítimas e diversas Organizações Sociais ligadas aos Direitos Humanos pressionam por mudanças na cúpula da Secretaria de Segurança Pública, comandada por Guilherme Derrite, defensor do policiamento ostensivo e do uso de armamento pesado no dia a dia das forças de segurança.
Esse é um debate ideológico, que ameaça levar a solução do problema do excesso policial em São Paulo a um impasse.