Uma Breve Reflexão Teológica e Histórica
O relato de Mateus sobre o nascimento de Jesus apresenta uma narrativa profundamente enraizada nas promessas messiânicas do Antigo Testamento, interpretadas à luz dos eventos extraordinários que circundaram a chegada de Cristo. A virgem Maria, uma jovem da Galileia, foi escolhida por Deus para conceber de forma sobrenatural, "pelo Espírito Santo", enquanto estava prometida em casamento a José. Este, inicialmente inclinado a desfazer o noivado em segredo, foi convencido por um anjo a aceitar Maria e a criança como parte do plano divino, pois "o que nela foi gerado procedia do Espírito Santo" (Mateus 1.20). Mateus conecta esses eventos ao cumprimento profético das palavras de Isaías: "Eis que a virgem conceberá e dará à luz um filho, e ele será chamado Emanuel" (Isaías 7.14). Essa referência ao Emanuel - "Deus conosco" - revela a natureza singular de Jesus como a encarnação de Deus. A escolha de Belém como local de nascimento não é apenas uma coincidência geográfica, mas uma confirmação do plano divino, alinhada com a profecia de Miqueias 5.2, que aponta para Belém como a cidade do Rei prometido.
Os Sábios do Oriente e a Fuga para o Egito
Após o nascimento de Jesus, Mateus narra a visita dos sábios do Oriente, guiados por uma estrela que os conduziu até o menino. Eles ofereceram presentes simbólicos - ouro, incenso e mirra - reconhecendo nele um rei, um sacerdote e alguém destinado ao sacrifício. Essa visita também ressalta o alcance universal do propósito divino, que transcende Israel para incluir os gentios. A ameaça de Herodes, que ordenou a matança dos meninos em Belém, ecoa as ações de Faraó no Êxodo, estabelecendo um paralelo entre a vida de Jesus e a libertação de Israel. A fuga da Sagrada Família para o Egito e seu posterior retorno a Nazaré refletem tanto a preservação da promessa messiânica quanto a simbologia do novo Êxodo, em que Jesus personifica a libertação definitiva de seu povo.
A Luz de João: Um Natal Cósmico
Enquanto Mateus e Lucas enfocam aspectos históricos e genealógicos, o evangelho de João apresenta um prólogo teológico, enfatizando a natureza eterna de Jesus como o Verbo (Logos) que "se fez carne e habitou entre nós" (João 1.14). Nele, encontramos a perspectiva cósmica, universal do Natal: Jesus como a luz que veio ao mundo para vencer as trevas; a manifestação suprema da graça e da verdade divinas.
Redescobrindo o Jesus Histórico
Infelizmente, em muitos contextos cristãos, a figura de Jesus é reduzida a um ideal celestial ou moralista, com pouca atenção às implicações históricas e sociais de sua vida e ministério. Contudo, uma leitura mais cuidadosa dos Evangelhos revela um profeta que agiu dentro do contexto judaico do primeiro século, desafiando estruturas religiosas e políticas e anunciando a chegada do Reino de Deus. Ele reinterpretou as esperanças messiânicas, não como um nacionalismo zeloso, mas como um chamado à verdadeira justiça pactual e de comunhão com Deus. Jesus também incorporou o retorno prometido de YHWH a Sião, inaugurando uma nova aliança e redefinindo os limites da comunidade de fé. Seu ministério e ensinamentos confrontaram as divisões de seu tempo, convidando tanto judeus quanto gentios a uma nova forma de ser o povo de Deus.
O Natal como Cumprimento da Promessa
Ao celebrar o Natal, não nos limitamos a recordar o nascimento de um bebê em Belém, mas reconhecemos a realização de uma promessa que atravessou as Escrituras do Antigo Testamento. O Natal é a convergência do cumprimento profético, da intervenção divina na história e da oferta de redenção ao mundo. É um chamado a reencontrar o Jesus histórico, compreender sua mensagem e vivenciar o impacto espiritual transformador de sua vida, morte e ressurreição. Que este Natal nos inspire a olhar para além da tradição e da narrativa sentimental, levando-nos a um encontro renovado com o Cristo que é, ao mesmo tempo, o Filho de Deus encarnado e o Rei prometido, cujas palavras e obras ecoam até os confins da terra. Aproveite esse Natal e passe a viver Jesus presente e intensamente em sua vida.
IGREJA BATISTA DO ESTORIL
62 anos - Soli Deo Gloria