APÓS DERROTA DE 2020

Boulos repete Lula e mede força com bolsonarismo em SP

Por Joelmir Tavares | da Folhapress
| Tempo de leitura: 5 min
Ricardo Stuckert / PR
 Guilherme Boulos (PSOL) em seu último ato de campanha, na avenida Paulista, ao lado do presidente Lula
Guilherme Boulos (PSOL) em seu último ato de campanha, na avenida Paulista, ao lado do presidente Lula

Quando Guilherme Boulos surgiu diante de sua casa, no Campo Limpo (zona sul), na manhã do último dia 16 de agosto, foi ativada a memória de uma outra cena no mesmo local, quatro anos antes.

Foi na sacada do imóvel que o candidato do PSOL à Prefeitura de São Paulo apareceu em 2020 após perder para Bruno Covas (PSDB). Acometido pela Covid-19, de máscara, o paulistano catapultado à vida política pela atuação no MTST (Movimento dos Trabalhadores Sem-Teto) reconhecia na ocasião a derrota eleitoral, mas contabilizava uma vitória política para si e a esquerda com a chegada ao segundo turno.

O Boulos que em 2024 saiu de mãos dadas com Marta Suplicy (PT), sua vice, para uma caminhada no primeiro dia de campanha oficial arrastava expectativas e responsabilidades muito maiores do que as do pleito municipal anterior ?e que o acompanham até agora, na reta final do primeiro turno.

Se em 2020 sua candidatura foi uma espécie de azarona, ofuscando o rival petista Jilmar Tatto e conseguindo 40% dos votos válidos contra o então candidato à reeleição, desta vez o roteiro desde o início previa uma campanha com tudo a que se tem direito, mesmo que para isso fosse preciso se afastar de dogmas ideológicos. No pano de fundo, a pretensão de vingar 2020, repetir 2022 e antecipar 2026.

Por que uma disputa local estaria tão conectada às eleições gerais? A resposta é Luiz Inácio Lula da Silva.

A candidatura de Boulos seria outra ou talvez nem existisse sem as interferências do hoje presidente da República. Em 2022, ele precipitou o lançamento do aliado à prefeitura que Ricardo Nunes (MDB) herdou com a morte de Covas com um acordo. O PT daria apoio ao psolista, em troca de sua desistência de concorrer a governador para ajudar Fernando Haddad (PT).

O representante do PSOL topou abrir mão do Palácio dos Bandeirantes e buscar a vaga de deputado federal, terminando bem-sucedido com mais de 1 milhão de votos.

Haddad acabou derrotado no estado, mas ficou na frente na capital. O mesmo ocorreu com Lula no embate com Jair Bolsonaro (PL), o que levou estrategistas da esquerda a uma conclusão tida como óbvia: apostar no repeteco da briga presidencial, com desvantagem para a direita. A persistente rejeição ao ex-presidente na cidade era outro elemento animador.

Ainda por essa lógica, se Boulos, ungido por Lula, vira prefeito da maior cidade do país, é prenúncio de força para Lula ou quem ele indicar na disputa pelo Planalto -e, consequentemente, de um enfraquecimento de Bolsonaro, hoje inelegível. A fórmula, portanto, envolveria replicar a disputa narrativa de democracia versus autoritarismo.

Entre o plano e a véspera da eleição, porém, havia um detalhe chamado realidade.

Boulos fez o dever de casa. Procurou reunir condições políticas dentro e fora do partido para conferir estabilidade à sua candidatura e conseguiu unificar razoavelmente seu campo político. Movimentações para derrubar a candidatura de Tabata Amaral (PSB) foram infrutíferas.

Para combater a fama de mau, com os adjetivos de radical e invasor resultantes de 20 anos em invasões e protestos do MTST, iniciou meses antes uma operação intensiva a fim de suavizar a imagem. Passou a circular de terno e gravata, o que atribui às exigências do cargo de deputado e recentemente submeteu-se ao treinamento de mídia da consultora Olga Curado, conhecida por desarmar até os políticos mais duros.

Inteirou-se da infinidade de assuntos que cabem em uma prefeitura do porte da paulistana e procurou se cercar de especialistas e gestores das mais diferentes áreas para elaborar seu plano de governo.

Para compensar a inexperiência do aliado no Executivo, Lula sacou um artifício que julgou crucial: repatriar Marta ao PT para ser vice, passando por cima da conflituosa saída dela do partido e de posições antipetistas que encampou em seus anos de MDB - articulação revelada pela Folha de S.Paulo em novembro de 2023.

A jogada era tão insólita que o maior desafio não era nem vencer resistências internas, mas convencer a ex-prefeita, àquela altura secretária municipal de Relações Internacionais, a abandonar Nunes e pular no barco do maior rival. Nos primeiros dias de janeiro, o embarque estava concluído.

Marta, cujo governo foi considerado pelo eleitorado em março o melhor da cidade nos últimos 40 anos, segundo pesquisa Datafolha, deu como justificativa para a guinada a aproximação de Nunes com Bolsonaro, a quem se opõe.

Em agosto, no dia em que candidato e vice, de café tomado e sorridentes, saíram da casa dele para andar pelo bairro, Nunes e Boulos estavam isolados na liderança das intenções de voto no Datafolha (com 23% e 22%, respectivamente). José Luiz Datena (PSDB) e Pablo Marçal (PRTB) tinham ambos 14%.

Mas as semanas seguintes levaria ao derretimento do apresentador e à ascensão do influenciador, que por sinal escolheu Boulos como alvo, em sua tática de movimentar o antipetismo e o bolsonarismo. Com Marçal abocanhando parte considerável dos simpatizantes do ex-presidente, Nunes precisou reforçar seu elo com Bolsonaro, o que a campanha do PSOL celebrou.

Com o avançar da campanha, o cálculo feito lá atrás foi tropeçando no imponderável. Nunes dosou a presença de Bolsonaro e preferiu explorar como cabo eleitoral o governador Tarcísio de Freitas (Republicanos). A rejeição ao ex-presidente não foi transferida automaticamente para o prefeito.

Marçal, que num primeiro momento foi visto no entorno de Boulos como uma peça útil para dividir os votos da direita e desidratar Nunes, depois exigiu mais cautela. A disparada do influenciador em agosto o levou ao primeiro pelotão. O caminho foi tratá-lo como a outra face do bolsonarismo e bifurcar a guerra.

Lula, que disse a Boulos ser "tão candidato quanto ele", não se fez presente tanto quanto se esperava. Nas semanas anteriores à votação desmarcou uma viagem à cidade e uma live, em meio ao esforço para convencer eleitores tradicionais do PT. Por outro lado, fez o partido mandar para a campanha R$ 30 milhões, quatro vezes mais que o total de recursos da candidatura em 2020.

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