Quatro anos após uma operação do Ministério Público mirar um suposto esquema fraudulento no Sindicato dos Servidores de Taubaté, a Justiça aceitou denúncia da Promotoria e tornou o ex-vereador Guará Filho (sem partido) réu pelos crimes de associação criminosa, peculato (que é o desvio de dinheiro público) e lavagem de dinheiro, que podem resultar em uma pena de até 30 anos de prisão.
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Feita pelo MP no último dia 16 de julho, a denúncia foi aceita pela 3ª Vara Criminal de Taubaté no dia 26 do mês passado. O processo corre em segredo de Justiça, mas a reportagem obteve acesso a trechos dele.
Além de Guará Filho, que também é ex-presidente do sindicato, outras três pessoas foram denunciadas pelos mesmos crimes: a atual presidente do sindicato, Mara Marques, que já integrava a diretoria da entidade durante a gestão de Guará e depois o sucedeu no cargo; Rejane Bressan, que era proprietária da Bressan Consultoria, empresa que prestava serviços para o sindicato e teria sido usada para desviar o dinheiro; e Célia Marioto, proprietária da Controler Auditoria, que fazia a contabilidade da entidade sindical e também da Qualiconsult, que é uma empresa de Guará que teria sido usada para a lavagem de dinheiro.
Por falta de provas, o inquérito foi arquivado com relação a Sérgio Marioto, que é marido de Célia e também é proprietário da Controler, e também com relação a Daniel Bueno, que é ex-diretor de Administração da Prefeitura e era o responsável por fiscalizar o convênio com o sindicato.
Outros três investigados devem firmar acordos de não persecução penal com o MP. São eles: Marcelo Pinto Fagundes, ex-funcionário do sindicato, que atuou como assessor parlamentar de Guará; Karina Aparecida Emília Pinto Pimenta, que também foi assessora parlamentar do ex-vereador; e Camila Gobbi Leite, ex-funcionária da Bressan. Esses acordos podem ser oferecidos aos réus que praticaram infração penal com pena mínima inferior a quatro anos, desde que tenham confessado a conduta - com isso, eles escapam de receber qualquer pena. Entre os fatos atribuídos ao trio, segundo apuração da reportagem, está o transporte de envelopes com o dinheiro que teria sido desviado por meio do esquema - a alegação dos investigados foi de que eles desconheciam o conteúdo dos invólucros.
Fraude.
O sindicato intermediou o plano de saúde dos funcionários da Prefeitura entre 2013 e agosto de 2020, quando foi descredenciado. A entidade recebia os valores do município, que eram a soma do subsídio pago pela Prefeitura e das quantias descontadas diretamente do salário dos servidores, e fazia o repasse para as operadoras.
Em julho de 2020, o Gaeco (Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado), que é um braço do MP, fez uma operação contra o esquema. O descredenciamento ocorreu logo após a Promotoria apontar que o sindicato cobrava da Prefeitura e dos servidores um valor superior ao custo efetivo do plano de saúde.
Segundo a investigação, o dinheiro repassado a mais pela Prefeitura era utilizado pelo sindicato para pagar a Bressan, e posteriormente era desviado para Rejane e Guará. Entre 2017 e 2018, por exemplo, o ex-vereador adquiriu três imóveis e uma lancha, que juntos foram avaliados pelo MP em pelo menos R$ 1,77 milhão.
Entre julho de 2020 e o fim de 2022, esses quatro bens de Guará ficaram sequestrados pela Justiça. No mês passado, ao receber a denúncia criminal, a Justiça determinou a indisponibilidade de todos os bens (imóveis, veículos e eventuais valores) do ex-vereador, de Rejane, da Bressan e da Qualiconsult.
Crimes.
Ao longo do inquérito criminal, iniciado pelo MP em 2019, os investigados tiveram os sigilos fiscal e de dados quebrados com autorização da Justiça. "Há nos autos inúmeros documentos colhidos na fase de investigação, especialmente quebras de sigilo e busca e apreensão, que denotam uma trama arquitetada pelos réus, encabeçada por Augusto [César Nogueira Cortez Pereira, que é o nome de Guará Filho] e Rejane, que consistia, em resumo, na administração do plano de saúde do sindicato e, por meio dele, recebiam repasses da Prefeitura em valor maior que o necessário e, esses recursos excedentes, em vez de passar a integrar o patrimônio do sindicato, era desviado para o enriquecimento dos envolvidos", diz trecho da decisão que recebeu a denúncia, no fim do mês passado.
Na denúncia, o MP apontou que o esquema teria desviado R$ 6 milhões. "Os elementos de cognição apontam, portanto, para a existência de organização criminosa, com atuação estruturada e divisão de tarefas, para a obtenção de vantagens econômicas por meio da prática dos crimes de peculato e lavagem de capitais", prossegue a decisão.
A decisão da 3ª Vara Criminal de Taubaté explica que o bloqueio dos bens é necessário para garantir o ressarcimento dos cofres públicos, em caso de condenação. "Existe a real probabilidade de que, caso os bens permaneçam inteiramente disponíveis para os réus, sejam ocultados e dilapidados, e não subsistam, na hipótese de eventual condenação, meios suficientes para arcar com a responsabilidade pecuniária ressarcimento dos danos, pagamento de pena de multa, custas processuais e demais obrigações pecuniárias e perda do produto do crime".
Outro lado.
Guará Filho, que exerceu mandato de vereador de 2017 a 2020 (primeiro pelo PL e depois pelo PSDB), chegou a se filiar ao Republicanos após deixar a Câmara, mas saiu da legenda recentemente e está sem partido. Procurada pela reportagem nessa segunda-feira (5), a defesa do ex-parlamentar afirmou que ele é inocente. "Guará ainda não foi formalmente citado da denúncia e os autos correm em segredo de justiça, razão pela qual não podemos dar maiores informações, mas desde já antecipamos a inocência de nosso cliente", disse o advogado Leonardo Máximo.
As outras três rés - Rejane Bressan, Mara Marques e Célia Marioto - não quiseram se manifestar.
Daniel Bueno afirmou que o arquivamento do inquérito criminal confirma a inocência dele. "Como há quatro anos afirmo, e agora com convencimento do próprio Ministério Público, não houve qualquer indício de dolo ou busca de vantagem pessoal nas minhas condutas ou mesmo conhecimento dos fatos e práticas ocorridas dentro do Sindicato dos Servidores, nada que justificasse qualquer denúncia", disse. Sérgio Marioto não quis se pronunciar.
Dos três investigados que assinarão acordos de não persecução penal com o MP, Marcelo Fagundes e Karina Pimenta não quiseram comentar o caso. Camila Gobbi não foi localizada pela reportagem.
Improbidade.
Além dessa denúncia na esfera criminal, em fevereiro desse ano o MP ajuizou uma ação de improbidade administrativa contra o sindicato, Guará Filho, Daniel Bueno, Rejane Bressan e a irmã dela, Tatiane Bressan, que também era sócia da empresa de consultoria.
Na ação de improbidade, a Promotoria pede que o ex-vereador, o ex-diretor de Administração e as sócias da Bressan sejam condenados à "perda dos bens ou valores acrescidos ilicitamente ao patrimônio", além de suspensão dos direitos políticos por até 12 anos e pagamento de multa equivalente ao valor do dano. Em relação ao sindicato, o MP pede que a entidade seja condenada ao "perdimento dos bens, direitos ou valores que representem vantagem ou proveito direta ou indiretamente obtidos da infração", além de ficar impedida de receber subsídios de órgãos públicos por até cinco anos.
Embora o inquérito contra Daniel Bueno tenha sido arquivado na esfera criminal, na esfera cível o MP aponta que a fiscalização do convênio com o sindicato cabia ao então diretor de Administração da Prefeitura, mas que ele "agiu de forma deliberadamente desidiosa, mediante indesculpável omissão no desempenho da responsabilidade que lhe foi atribuída, fruto da sua conivência com a prática dos ilícitos".