PERSONAGEM

Caçador de demônios: a vida do pastor de São José que arrastava multidões em exorcismos

Por Xandu Alves | São José dos Campos
| Tempo de leitura: 5 min
Reprodução/ Revista Manchete
Manoel Maria em 1976, em sessão na igreja de São José; no detalhe, os exorcismos do pastor
Manoel Maria em 1976, em sessão na igreja de São José; no detalhe, os exorcismos do pastor

“Você não perde por esperar, cachorro!”.

Era assim que o missionário e pastor Manoel Maria dos Santos se referia ao demônio, o maior inimigo de Deus, quando percebia que o 'tinhoso' havia possuído um corpo de um devoto da sua igreja, em São José dos Campos.

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Ao entrar no templo, todas as sextas-feiras, era comum ele ser insultado por um fiel endemoninhado. Minutos depois, ele impunha suas mãos sobre a cabeça da vítima do anjo das trevas, invocava o nome de Jesus Cristo e ordenava a saída do demônio.

Os rituais de exorcismo tornaram-se a marca de Manoel Maria, pastor da Igreja do Evangelho Quadrangular de São José dos Campos e a principal liderança regional, nas décadas de 1970 e 1980.

Naquela época, ele ficou nacionalmente conhecido pelas sessões de exorcismo em São José, que arrastavam multidões à igreja e eram chamadas de “Novena Espiritual”. Também havia testemunhos de curas físicas após a intervenção do pastor.

Não raro, pessoas caíam estrebuchando no piso do templo e eram socorridas espiritualmente pelo missionário, tudo em nome de Jesus. Mas não bastava expulsar demônios. Era preciso fazê-lo com elegância.

HISTÓRIA.

Manoel Maria mantinha uma imagem moderna, com cabelo comprido, paletó xadrez e calça boca de sino, a última moda no país, além de dirigir um Maverick laranja – espécie de Camaro amarelo da época. Com carisma de sobra e talento para a pregação, tornou-se o maior astro da Igreja do Evangelho Quadrangular.

Em 1976, uma matéria especial sobre ele na revista Manchete tinha o título: “O Exorcista Brasileiro é de São José” – o texto pode ser lido no site São José dos Campos Antigamente.

Manoel Maria nasceu em Três Barras, em Santa Catarina, em 1940. Era filho de lavradores e começou a frequentar o tempo da Quadrangular influenciado por amigos. Aos 17 anos, no dia do batismo, disse ter ouvido a voz de Jesus ordenando que “pregasse o Evangelho a toda criatura”.

Tornou-se pregador e logo percebeu o talento para enfrentar o demônio. Um dia, um fiel caiu em convulsões após Manoel Maria colocar a mão em sua cabeça. Estava possuído. O evangelista disse o nome de Jesus, e o homem levantou-se, curado. Nascia ali o exorcista de São José.

VALE DO PARAÍBA.

Pastor desde 1965, Manoel Maria chegou a São José em janeiro de 1974 para assumir a superintendência regional da Quadrangular, responsável por 23 igrejas, sete delas na maior cidade do Vale. Formou-se ainda em Direito pela Univap (Universidade do Vale do Paraíba), até porque nem só de fé vive o homem.

A sua fama era tanta que um programa diário de rádio de 10 minutos que ele apresentava em São José, chamado ‘Cadeia da Prece’, era a maior audiência da época. Também era reconhecido em supermercados, nas ruas e por onde andava.

“Não me importo que me chamem de exorcista. Às vezes, sou isso mesmo”, disse ele à Manchete.

Além de pregador e caçador de demônios, o pastor compunha cânticos de louvação a Deus, como a música ‘Eu estou feliz’, um dos sucessos que cantava nas suas pregações, ao lado de uma talentosa banda.

Ele também se posicionava como um homem de família, levando a mulher e os filhos aos templos pelos quais passava. Praticamente todos seguiram carreira no mundo evangélico.

Em agosto de 1979, ele recebeu da Câmara o título de cidadão joseense, dado pelas mãos do então presidente da sessão, vereador Macedo Bastos, que, segundo registra a ata, disse se tratar de um “pastor jovem que tem levado aos corações de grande parte da população o lenitivo de que nas horas de sofrimento necessita o homem”.

Bastos afirmou ainda que o pastor “não mede sacrifícios para dar consolo àqueles que necessitam, àqueles que têm a alma tomado por problemas dos mais diversos”.

POLÍTICO.

Após a marcante passagem por São José, Manoel Maria mudou-se para o Rio Grande do Sul, em maio de 1986, assumindo a direção da Quadrangular no estado. Em 1990, a pedido dos pastores, venceu as eleições para deputado estadual, reelegendo-se a três mandatos seguidos.

Aprovou leis de sua autoria que levantaram polêmicas, mas que acabaram copiadas em outros estados: proibição de consumo de bebidas alcoólicas em bares e restaurantes nas rodovias – projeto que o levou a ser ameaçado de morte –, instalação de câmeras de vídeo em caixas eletrônicos e a criação do Código Estadual de Proteção aos Animais.

“Não só recebi críticas como cheguei a ser ameaçado. Diziam que meu projeto iria desempregar muita gente e causar prejuízos aos bares e restaurantes às margens das rodovias. A minha finalidade, no entanto, era reduzir o número de acidentes seguidos de morte nas estradas gaúchas”, disse ele em 2008, em entrevista à Assembleia Legislativa do Rio Grande do Sul.

Um pouco antes, em dezembro de 2007, deixou a Igreja Quadrangular e assumiu o comando da Visão Nacional no Rio Grande do Sul -- a mulher, os filhos e os genros também eram pastores.

“Apesar de deixar a Igreja Evangélica Quadrangular, devo minha vida a ela nos quatro mandatos e na liderança da igreja nacional”, afirmou na ocasião.

Manoel Maria morreu em julho do ano passado, aos 82 anos, em Porto Alegre (RS). Recebeu homenagens de políticos, lideranças religiosas e da população, com a qual manteve a relação de amor e serviço por meio da fé. Dizia ter lutado o bom combate como um 'soldado de Cristo'.

Também deve ter tido uma acalorada recepção na vida eterna. Afinal, não é todo dia que um abnegado e destemido ‘soldado’ de Deus retorna à ‘caserna’ celeste.

Nota de falecimento do pastor e ex-deputado
Nota de falecimento do pastor e ex-deputado
Manoel Maria com seu Maverick laranja e com a família / Manchete
Manoel Maria com seu Maverick laranja e com a família / Manchete

Comentários

1 Comentários

  • Aparecida de Souza Castilho 12/02/2024
    Tive a honra de ser batizada por esse homem de Deus. Meu pai na fé, deixou um grande legado. Pr Manoel Maria dos Santos, \" uma lenda!\"