MORADIA

Sobreviventes da tragédia do Litoral Norte reclamam de falta de segurança e abandono

100 dias depois do desastre que vitimou 64 pessoas e desabrigou milhares de famílias, moradores relatam que continuam sob risco. Ação na Justiça cobra prestação de contas.

Por Débora Brito | 29/05/2023 | Tempo de leitura: 6 min
São José dos Campos

Rovena Rosa / Agência Brasil

Epicentro da tragédia que vitimou 64 pessoas, o município de São Sebastião ainda enfrenta desafio de recuperar infraestrutura e abrigar famílias desalojadas
Epicentro da tragédia que vitimou 64 pessoas, o município de São Sebastião ainda enfrenta desafio de recuperar infraestrutura e abrigar famílias desalojadas

Sobreviventes da tragédia que assolou, há exatos 100 dias, o município de São Sebastião, no Litoral Norte, relatam que ainda estão em situação de abandono e vulnerabilidade. Mais do que uma calamidade ambiental, o desastre evidenciou problemas crônicos de ordem socioeconômica que persistem e ainda assombram a população local.

Depois de passarem por abrigos provisórios, alguns moradores voltaram às casas de origem nas áreas de risco, onde convivem com a falta de infraestrutura, o medo e a insegurança sobre as moradias e seus destinos.

No dia 19 de fevereiro, logo no início do feriado prolongado de Carnaval, um volume recorde de 683 millitros de chuva provocou deslizamentos de encostas, morros, enchentes e destruição na costa sul de São Sebastião, principalmente na Vila Sahy e em Juquehy.

Além de 64 vítimas fatais, a catástrofe destruiu parte das rodovias e da infraestrutura da região, deixou pelo menos 79 casas interditadas e mais de mil famílias desabrigadas. Entre as medidas emergenciais adotadas após a tragédia, a principal foi o acolhimento de ao menos 1079 famílias em pousadas e outros abrigos temporários da região.

O governo estadual desapropriou duas áreas em São Sebastião para permitir a construção de 704 unidades habitacionais que abrigarão as famílias atingidas pelo desastre. Do total, 528 serão entregues no Baleia Verde e 186 apartamentos em Maresias.

As obras foram iniciadas em 24 de março e a previsão inicial de conclusão era de 180 dias após o início da construção. Segundo a Gerência de Apoio do Litoral Norte, criada pelo governo estadual após o desastre, o objetivo é entregar as principais obras antes do próximo período chuvoso .

Enquanto as moradias definitivas não ficam prontas, as famílias foram abrigadas inicialmente em pousadas da região. Após análise da situação de vulnerabilidade e outros requisitos, 40 famílias foram transferidas para as casas da Vila de Passagem, situada no centro de São Sebastião, outras 290 foram encaminhadas de forma provisória para apartamentos do Condomínio Quaresmeira, em Bertioga; um terceiro grupo está abrigado em uma colônia de férias de Caraguatatuba, e boa parte dos desabrigados retornou para os morros.

RISCO.

Passados mais de três meses, moradores relatam nas redes sociais que as famílias antes abrigadas em pousadas têm sido realocadas involuntariamente de volta às casas situadas na área de risco, como no Morro do Pantanal, um dos mais afetados pelos deslizamentos.

Essas casas foram classificadas inicialmente pela Defesa Civil em três níveis de risco: vermelho, que determina interdição definitiva; laranja, que estabelece interdição temporária em caráter preventivo; e amarelo, que mantém a habitação sob monitoramento intensivo.

Segundo o Comitê dos Atingidos, algumas famílias de casas que estavam nos níveis amarelo e laranja foram notificados para voltar às edificações depois de reavaliação do laudo da defesa civil. As casas ainda não passaram por reparos depois do desastre. O Comitê também denuncia que as moradias definitivas estão sendo construídas em uma área que geralmente é alagada.

INSEGURANÇA.

Além do medo de viver em um local sob risco de novos desabamentos, os moradores relatam problemas de insegurança, agravada pela falta de iluminação no local e pelas pilhas de escombros ainda acumuladas no local desde a tragédia.

Segundo os relatos, a situação é evidenciada, por exemplo, na Rua Maurício Benedito Faustino, em Juquehy, um dos pontos mais afetados pela avalanche de lama.

Mulheres denunciam que à noite são perseguidas e estão correndo risco de estupro e outros tipos de violência. Algumas delas conseguiram escapar dos criminosos, depois de tentarem arrastá-las para atrás dos escombros.

AÇÃO POPULAR.

No dia 5 de maio, a deputada estadual Ediane Maria (PSOL) protocolou no TJ-SP (Tribunal de Justiça de São Paulo) uma ação popular com pedido de liminar contra a Prefeitura de São Sebastião, cobrando informações detalhadas sobre a aplicação das verbas doadas ao município ao longo de dois meses após o desastre. A soma dos recursos federais, estaduais e de entidades privadas e filantrópicas chegaria a pelo menos R$ 57 milhões.

Na ação, a deputada também pede informações sobre a composição e as atividades dos comitês de Gestão de Crise e o de Fiscalização para destinação do Fundo Social, criados pela Prefeitura de São Sebastião para acompanhar os desdobramentos da catástrofe; dados sobre as parcerias e convênios estabelecidos com pousadas e organizações sociais privadas; sobre o andamento do cadastro das famílias que serão abrigadas nas moradias definitivas e os critérios utilizados para transferência e remoção dos moradores.

A deputada pontua ainda a falta de transparência dos laudos de avaliação da defesa civil sobre as regiões atingidas pelas chuvas e pede que os resultados das avaliações técnicas sejam publicizados.

No último dia 12 de maio, a 1ª Vara Cível de São Sebastião determinou que a Prefeitura se manifeste sobre as informações em até 72 horas e estabeleceu que, ao final do prazo, com ou sem manifestação, haverá decisão sobre o pedido liminar. A intimação foi expedida de forma eletrônica no dia 19 de maio e o prazo só começará a correr a partir do momento em que o sistema receber de volta a informação de que o intimado tomou ciência da notificação.

Na Câmara Municipal de São Sebastião também há requerimento do vereador Marcos Fuly, presidente da Casa,  pedindo ao Executivo esclarecimentos sobre o destino de recursos federais recebidos para as ações de recuperação da tragédia das chuvas.

A aplicação dos recursos e outros desdobramentos da tragédia serão discutidos em audiência pública na próxima quarta-feira (31), no auditório Franco Montoro, da Alesp (Assembleia Legislativa de São Paulo).

RESPOSTA DA PREFEITURA.

A Prefeitura de São Sebastião disse a OVALE que foi intimada na sexta-feira (26) e que o prazo de 72h se encerra na próxima quarta-feira (31).

Sobre os número de moradores abrigados em habitações provisórias, o município informou que na Vila de Passagem, localizada na Topolândia, estão 57 famílias, totalizando 195 pessoas, em 72 Unidades Habitacionais. Já nos apartamentos da CDHU, em Bertioga, as 300 unidades oferecidas pelo governo do Estado estão ocupadas. A Prefeitura ressalta que nessas duas localidades estão famílias que perderam suas casas nos deslizamentos ou em demolições necessárias após o desastre.

Sobre o retorno dos moradores para as áreas de risco, a Prefeitura disse que "as famílias que retornaram para suas casas, são as que tiveram autorização via laudos do IPT/IPA - casas com laudos amarelos". E destacou que a"s moradias em questão seguem com monitoramento constante dos órgãos de segurança competentes".

Segundo a nota, as equipes do município e do governo do Estado ainda estão em campo porque, após a tragédia, surgiram novas áreas de riscos, a serem catalogadas e pelo menos 693 cicatrizes nos morros em áreas com ou sem moradias
 
Em relação às queixas dos moradores sobre falta de infraestrutura, "a Prefeitura de São Sebastião esclarece que, especificamente na Vila Sahy, estão sendo realizadas obras da Sabesp para a implantação da rede de água e a parte de corte das vias terminou na semana passada. Imediatamente, as equipes iniciaram o processo de limpeza dos escombros e das vias públicas. Quanto à iluminação, a EDP aguarda o término dos serviços para que possa religar a rede uma vez que grande parte foi afetada pela catástrofe."

E sobre a falta de segurança e a denuncia de perseguição, as polícias Municipal, Militar e Civil não receberam nenhuma reclamação. A Prefeitura afirmou que "o ideal é que os moradores procurem esses órgãos até para aumento do patrulhamento".

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2 COMENTÁRIOS

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  • Bianca Colepicolo
    31/05/2023
    Tem muitas questões mais profundas nessa história e talvez os outros moradores também devessem ser ouvidos. O que escuto aqui das pessoas é que há anos pagam aluguel nos bairros periféricos e nunca invadiram nada, no entanto, mesmo sendo de baixa renda, não tem direito a moradia como as pessoas que invadiram áreas de preservação ambiental e foram afetadas pela tragédia, muitas recém chegadas na cidade. O problema de moradia é nacional. Cidades tem limite de área e a natureza cobra o preço quando não são respeitadas. A gente tem que organizar esse país urgente porque a crise climática não vai acabar tão cedo e cada vez teremos mais tragédias como essas. Por que o governo federal não faz um grande programa de habitação adequado ao tamanho das cidades para distribuir melhor a população? São Sebastião tem bons serviços ao cidadão, a cidade funciona bem, o que está nos faltando é amparo legal para limitar o crescimento desordenado, assim como nas demais cidades. É muita falação mas só quem está vivendo sabe a realidade, muita gente mal intencionada, muita politicagem. E pra terminar, a prefeitura não recebeu essas doações que a deputada falou. Ela tem que aprender a abrir o portal da transparência antes de sair falando bobagem.
  • José Mario de Oliveira
    29/05/2023
    São Sebastião tem uma das Prefeituras mais ricas do Brasil. Seu orçamento deve estar ultrapassando R$ 1 bilhão, além disso recebeu suporte financeiro do Estado e da União, específicos para cobrir os dispêndios para corrigir os efeitos das chuvas do Carnaval. Tem tanto dinheiro em jogo que a Justiça deu prazo para que seja feita prestação de contas do arrecadado e aplicado.