ENTREVISTA

‘Não se pode confundir responsabilidade com censura’, diz presidente da ANJ

Por Xandu Alves | São José dos Campos
| Tempo de leitura: 7 min
Divulgação / ANJ
Marcelo Rech é presidente da ANJ (Associação Nacional de Jornais) e membro do Conselho Editorial Grupo RBS
Marcelo Rech é presidente da ANJ (Associação Nacional de Jornais) e membro do Conselho Editorial Grupo RBS

Presidente da ANJ (Associação Nacional de Jornais) e membro do Conselho Editorial Grupo RBS, o jornalista Marcelo Rech defende a aprovação do Projeto de Lei das Fake News (PL 2630/20), em discussão no Congresso Nacional.

Para ele, não se trata de abrir espaço para a censura e nem de limitar a liberdade de expressão, mas de garantir a responsabilidade pelo que se publica no país nas plataformas digitais e combater a desinformação.

“É impensável que uma atividade empresarial não se responsabilize pelo seu negócio”, disse Rech a OVALE. Confira.

Como o sr. avalia o PL das Fake News?

A ANJ tem trabalhado para aprovar o projeto das fake news. Primeiro que não há nenhum risco à liberdade de expressão e muito menos se trata de censura, como alguns querem fazer passar.

Segundo aspecto é que toda atividade empresarial deve ser responsabilizada pela forma como faz dinheiro. É impensável que uma atividade empresarial não se responsabilize pelo seu negócio. Então, entendemos que as plataformas devem ser, sim, de alguma forma limitadas, pelo menos por aqueles conteúdos publicitários, os que são pagos para serem difundidos.

O projeto mira a desinformação?

Adicionalmente, a poluição social que vemos hoje espalhada pela sociedade no mundo todo, e no Brasil com muita intensidade, que pode ser traduzida pela desinformação e o discurso de ódio, a melhor forma de fazer a limpeza desse sistema poluído e de combatê-lo é por meio do jornalismo profissional, de qualidade, com alcance significativo, que possa fazer a verificação, a checagem dos fatos, de apresentar diferentes versões quando for o caso de atender a necessidade de pluralidade da sociedade, e sempre com responsabilidade.

Só que esse trabalho de limpeza da poluição social, restabelecer a verdade e evitar a disseminação de ódio tem um custo. A produção editorial tem um custo muito alto para ser feita de forma independente e técnica. Então, nada mais justo do que as plataformas que poluem esse ambiente paguem pelo menos uma parte da limpeza desses ecossistemas poluídos, e por isso também defendemos a remuneração da atividade jornalística, ao menos parcialmente, por quem faz a poluição social.

Esses são os principais benefícios do projeto?

Os três principais aspectos do projeto são a responsabilidade pelos conteúdos publicitários, e defendemos que sim, diretamente, que devem também ser vedadas as contas falsas muitas vezes usadas para a desinformação – a própria Constituição no seu princípio mais básico da liberdade de expressão diz que é livre a manifestação do pensamento, mas é vedado o anonimato.

Então, qualquer pessoa é livre para expressar o pensamento, mas não pode fazer por uma conta falsa. Entende-se que as pessoas podem ser responsabilizadas por aquilo que expressam.

A liberdade de expressão não é absoluta em lugar nenhum do mundo. Ela pode ensejar uma ação na Justiça, enfim, mas não pode acontecer quando não se sabe quem está cometendo o crime. A vedação de contas inautênticas reduziria muito a desinformação por contas falsas no Brasil.

O que o sr. diz a quem aponta chance de censura com o projeto?

Não vejo nenhum espaço para que haja censura. Não se pode confundir responsabilidade com censura. Cometer o crime tem que responder. As plataformas e o mundo digital não são um mundo alheio às leis, onde elas não existem, onde posso ofender, produzir e incentivar crimes e massacres de crianças sem que alguém venha a ser responsabilizado por isso. Há muita incompreensão sobre o projeto.

Acho que muita gente sequer leu o projeto e encontrou uma narrativa de extremistas e fanáticos que não querem nenhuma espécie de responsabilidade e se beneficiam desse ambiente de desinformação. Está havendo uma leitura enviesada, não precisa e que não se compreendeu efetivamente o objetivo do projeto, que é democrático, que tem várias semelhanças com legislações similares na Europa.

A Alemanha tem uma legislação já há cinco anos em que obriga as plataformas a terem canais de comunicação que possam denunciar sobre conteúdos potencialmente (apurar a denúncia em até 7 dias) e claramente ilegais, que devem ser retirados em até 24 horas, podendo ser multadas em até 54 milhões de euros.

Entre os crimes, a Alemanha tipifica a apologia ao nazismo, e nem por isso pode dizer que a Alemanha não tenha liberdade de expressão. É um dos países mais liberais e democráticos do planeta. No Brasil, o que se está propondo tem inspiração nas legislações europeias, de plena liberdade, mas com responsabilidade. Defendemos com muito rigor a liberdade de imprensa, mas também defendemos a responsabilidade.

Qual o risco de a desinformação se alastrar livremente pelas plataformas digitais?

É um risco muito alto e preocupante. Conteúdos apelativos e sensacionalistas geram indignação e criam muitos compartilhamentos, viralizando com muita velocidade. Para desmentir isso e repor a verdade, se vai de uma forma muito mais lenta. Tem muita gente se beneficiando da desinformação, se elegendo com isso e defendendo seus interesses.

Por que algumas pessoas estão considerando esse projeto uma ameaça?

A democracia é basicamente um processo de escolha do cidadão. Ele tem que ter elementos informativos verídicos para que, a partir desses fatos, tome e faça suas opções baseado no seu conhecimento.

Se a informação está errada desde a origem e se o cidadão é desinformado, ele fica contaminado no seu processo de escolha, ele toma decisões sobre um fato irreal, completamente distorcido e que não aconteceu. Essa é a grande ameaça à democracia. As pessoas vão comprando e acreditando em versões fantasiosas, irreais e que circulam de uma forma sem responsabilidade no Brasil.

A desinformação virou uma indústria?

A desinformação era quase um processo artesanal no Brasil e virou uma linha de montagem. Ganhou muita tração. Tem muita gente que se beneficia dela, muitos políticos eleitos baseados nesse ambiente de radicalização, fake news, ódio e desinformação. Eles não têm interesse que se estabeleça um contraponto, um ambiente saudável, seguro e verificado à desinformação.

A sociedade já demonstrou, por meio de pesquisas, que apoiaria amplamente um projeto de combate à desinformação, mas, infelizmente, estamos hoje construindo a maioria no Congresso.

É preciso que a sociedade pressione o parlamento para que tome uma atitude no combate à desinformação. Não podemos mais tolerar incitação a crime, ao massacre de crianças, e achar que isso é normal, que é liberdade de expressão. Incitação a golpe de estado, atentar contra a democracia é crime e está na Constituição. Então, cumpra-se a lei, mas como cumprir a lei se não tem a responsabilidade possível das plataformas.

Por que a imprensa profissional virou alvo de ataques?

Está muito bem documentado em trabalhos acadêmicos que mostram que, para fazer a desinformação avançar, é preciso derrubar os obstáculos para a desinformação avançar livremente. A imprensa profissional é um obstáculo, independente do tamanho e da geografia.

O cerne da atividade dela não é agradar as pessoas, mas buscar e expor a verdade. Manifestar diferentes opiniões para que a pessoa faça a sua análise. Para que as pessoas saiam e não viviam em bolhas.

Os ataques não são por acaso, mas para tentar desmoralizar a atividade profissional na busca pela verdade. Isso acontece nos EUA e no Brasil com muita intensidade, porque há interesses políticos e econômicos em atacar o jornalismo e fazer avançar a desinformação.

As plataformas estão reagindo ao projeto das fake news por causa da remuneração à imprensa?

Eles agiram de maneira completamente equivocada, como ocorreu na Austrália e Canadá, e também no Brasil. Eles alegam que têm uma neutralidade. E como podem dirigir seu conteúdo contra esse próprio princípio? Nunca tinha visto tanto uso de fake news para combater um projeto de fake news. Uma das fake news que eles utilizaram, que levou a uma manifestação minha, é que apenas grande veículos seriam beneficiados pela remuneração. Isso é uma mentira deslavada.

O projeto no Brasil prevê que mesmo microempreendedores individuais, contanto que produzam jornalismo de forma regular e tenham sede e editor responsável no país, teriam direito à remuneração. Até veículos muito pequenos têm esse direito, podendo fazer essa negociação em consórcio.

Aconteceu na Austrália recentemente, com 180 jornais pequenos e regionais, alguns com dois e três jornalistas, fecharam um acordo com o Google e Meta. E também 24 veículos dirigidos a minorias também fecharam acordo. É uma inverdade. Eles usam essas fake news para criar dissenso e divisão em segmentos que poderiam estar juntos a favor da informação verdadeira.

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