“É que Narciso acha feio o que não é espelho” – declama o músico e compositor Caetano Veloso na sua música “Sampa”, de mais de 40 anos, quase tão velha quanto o humilde escritor deste artigo. Acredito que poucos versos na língua portuguesa tenham a capacidade de sintetizar um sentimento misto de estranheza, interesse, repulsa e admiração - “tudo junto e misturado” - quanto esse.
Eu me aposso do verso para uma variedade de ocasiões e vamos aqui para uma das minhas preferidas: a expressão do feminino (e das mulheres) em todas as suas faces, na sociedade (ainda) patriarcal que vivemos. A história mostrou como homens nunca acharam simples conviver com seres tão notáveis e únicos quanto as que portam em abundância a força sutil e indomável do feminino.
Penso o assombro dos primeiros seres humanos, ainda reconhecendo-se em sociedade, perceberem que os corpos das mulheres respondiam ao ciclo da lua, tal como as ondas e as marés. Como elas eram portadoras do milagre da vida. Como a natureza (e o intangível) conversava com elas, concedendo-lhes o dom da menarca (a primeira menstruação) avisando-lhes da propriedade maternal e depois, tão sábio quanto o próprio passar do tempo, as concediam a menopausa e a tarefa de, já anciãs, guiarem as jovens e o povo.
Nunca foi bem-quisto. Durante milênios, o “feio” se transformou em medo e o medo, em violência. Fosse listar aqui fatos e tragédias que decorreram disso, nem espaço físico haveria.
Não me entendam errado, minha admiração é genuína e não ingênua: claro que existe perversidade propagada pelo mal uso do poder do feminino. Narcisismo e manipulação nascem em qualquer lado da polaridade energética e torna-se tão tóxico que poucos sobrevivem “para contar a história”, depois.
No entanto, a ditadura do masculino é institucionalizada e trafegada como normal por entre as gerações, infiltrando mitos e folclores de que a mulher “moderna” deve seguir padrões “empresariais” de desempenho para ser considerada valorizada entre seus pares. Tratam-na, por vezes, como um homem que deve lidar com ciclos menstruais tal como se fosse uma fraqueza de performance profissional.
É comum receber no meu consultório adolescentes, jovens ou até mulheres já maduras, que usam métodos anticoncepcionais de “liberação contínua” para algo além do que a própria anticoncepção: para aliviar incômodos, cólicas, sangrias que necessitam sim de cuidado, mas não de uma supressão, feita aos moldes de uma castração química.
Claro que respeito a opinião de todos e a vontade das minhas clientes, algumas já amigas há anos. No entanto, deixo claro que não precisa ser assim. Não é normal para o feminino ser suprimido assim, em nome de uma adequação a um ideário produzido pelo homem, que, amedrontado e sem sabedoria, peca pelo machismo. Ciclos são a manifestação da vida, tanto em mulheres, quanto em marés e ondas, sendo um movimento que precede até mesmo a vida no planeta, em milhões de anos.
Quando algo se manifesta com um sintoma que incomoda, precisa ser analisado em seus vários níveis, de físico para o energético, pois pode evidenciar uma condição doentia vinda, inclusive, da falta de contato da mulher com a própria natureza feminina. Nestes casos, a medicina chinesa não só é curativa, mas parte de um autoconhecimento.
Alexandre Martin é médico especialista em acupuntura e com formação em medicina chinesa e osteopatia (xan.martin@gmail.com)