Minha mãe sempre contou às suas filhas como eram os flertes de Jundiaí de outrora. As moças, com seus vestidos costurados em casa, com esmero, vestiam-se lindamente para a matinê no Cine Ipiranga. Após a sessão de cinema, era hora do footing, os homens andando em uma direção e as moças em outra, para que os olhares se cruzassem. Antes de retornarem para casa, era obrigatória uma passadinha na Paulicea para um sorvete ou um guaraná. Era ali que as mocinhas escutavam as novidades da política e podiam encontrar os intelectuais da época.
Eu mesma consegui frequentar sessões noturnas no Ipiranga ou no Marabá. Andávamos à noite pelo Centro de Jundiaí sem susto, conversando com nossos amigos e descendo a pé até a Vila Rio Branco, onde meu avô morava. Já como repórter iniciante, eu adorava encontrar os personagens dessa Jundiaí de outrora na rua Barão de Jundiaí, onde ainda ficava a velha Prefeitura.
Hoje, ao sair da redação do JJ, no edifício Latorre, não encontro mais ninguém conhecido. Tento deixar a redação logo às 17h, porque às 18h já não me sinto segura. Faltam iluminação, policiamento e limpeza no Centro de Jundiaí. Mas falta algo mais que me intriga.
Desde que o ex-prefeito Miguel Haddad remodelou as fachadas do quadrilátero da Matriz, recompondo sua condição histórica e impedindo que a arquitetura fosse tampada por cartazes e publicidades horrorosas, ninguém fez mais nada para preservar esse espaço único de nossa cidade. Na época, Miguel valeu-se da Lei Cidade Limpa para realizar essa fantástica transformação da Praça Governador Pedro de Toledo.
Não há milagres. A gente só preserva o espaço que usa. Para a revitalização do Centro, é preciso que ações sejam orquestradas para trazer mais vida noturna ao local. E isso só acontece com a chegada de bares, restaurantes e atrações culturais. Para isso, são necessários incentivos e segurança pública.
Não estou dizendo que o Centro não mereça outra ação de preservação. Merece, sim. Renovação de fachadas, retirada de publicidades feitas de plástico, conserto de calçadas. Hoje, ao andar na rua do Rosário, senti desolação. Inúmeros imóveis fechados e disponíveis para alugar. Obviamente, com a ascensão do e-commerce, há pouco espaço para pequenas lojas sobreviverem. Outros usos precisam ser pensados para o Centro, antes que se deteriore como no Rio de Janeiro, por exemplo, com fachadas centenárias em ruína, sem condições de caminhabilidade e segurança à noite.
Eu sou preservacionista. Tudo que é histórico toca meu coração. Quando ando por Lisboa, vejo a capacidade de unir o passado a magníficas construções modernas, tudo convivendo harmoniosamente. Aqui, parece que desprezamos o passado. E, olha, Jundiaí tem um passado maravilhoso, uma cidade de outrora que guardo em meu coração.
Estamos próximos de uma virada administrativa. Espero, sinceramente, que o novo governo tenha sensibilidade em relação ao Centro. Espero ainda que o Compac também cumpra seu papel e tombe os imóveis que já estão em seu inventário. Mas, mais do que tombar, é preciso criar condições de uso, trazer vida e alegria a esse local.
Posso fechar os olhos e voltar à rua Barão de minha infância. Recordações que me trazem alegria e magia. Bom mesmo era sair do Grêmio ou do Jundiaiense à noite e não ter medo de ficar conversando com os amigos ali em frente ou comendo um cachorro-quente. Jundiaí já foi magnífica. Para ampliar a convivência no Centro, é preciso esforço de todos e vontade política.
Ariadne Gattolini é jornalista e escritora, pós-graduada em ESG pela FGV-SP e editora-chefe do Grupo JJ.
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