A adolescência é um treco fascinante. É a fase que provavelmente muitos se lembrem pelo excesso de espinhas, pela menarca ou pelo primeiro beijo. Do ponto de vista cerebral, é nela que ocorre a diminuição das sinapses neurais, que são cortadas quando não utilizadas e, na mesma proporção, fortalecidas quando estimuladas. Também há uma ebulição do córtex pré-frontal, parte do cérebro responsável pela tomada de decisões, capacidade de planejamento e controle de impulsos - não à toa vêm crescendo os debates sobre a precocidade da escolha profissional aos 17 anos, uma vez que essa região se desenvolve até por volta dos 25 (idade em que, vejam que ironia, a sociedade cobre que já estejamos com a carreira estável e pensando em casamento e filhos). Com o córtex pré-frontal ainda aprendendo, a colega amígdala entra em cena para compensar e guiar as resoluções de problemas, sendo, no entanto, a deusa das emoções, dos impulsos, da agressividade e do comportamento instintivo. É natural, portanto, que vez ou outra o adolescente seja reativo a alguma crítica, se envolva com algum comportamento arriscado, tenha apatia no meio social e precise ser "chacoalhado" para prestar atenção na aula. O que precisamos nos lembrar, contudo, é do poder inestimável de transformação que os jovens têm, e ao qual nenhum período da história como o de hoje reconheceu com tanto protagonismo.
Eu já havia me esquecido que um dia tinha sido um, até que me conectei com uma porção deles, na última semana, no 11º Café Filosófico da Escola Estadual Prof. Luiz Rosa. A convite de um grupo de alunos do Ensino Médio, tive a honra de contribuir, como palestrante, sobre a cultura do cancelamento, temática de extrema importância e escolhida por eles, sob o viés da mídia e seus impactos na sociedade. Respondi a perguntas feitas pelos estudantes, bem como ouvi a contribuição de outras três profissionais, sendo duas psicólogas e uma advogada, a respeito do tema.
Ali, o que vi foram meninas e meninos com olhos brilhantes, interessados em expandir conhecimento e cheios de gentileza. Ouvi contextualizações bacanérrimas deles sobre a cultura do cancelamento, expressão que tem ganhado força desde 2021 e norteado inúmeros debates a respeito de como lidamos com o diferente, especialmente no âmbito das redes sociais. E achei encantador observar o engajamento de estudantes tão novos em abordar um tema tão presente no ambiente digital em que eles próprios representam mais de 75% do fluxo de visitação e em que inclusive se configuram como “vítimas” mais vulneráveis de transtornos mentais entre um feed eterno, viciante e cheio de exemplos de falsa perfeição.
Espero ter cumprido minha missão pedagógica de compartilhar o meu conhecimento jornalístico de uma maneira que leva em consideração que se tratam de jovens em fase de formação de opinião, o que torna tudo mais desafiador. Mas penso ter ido além. Porque ter subido no palco do auditório da Biblioteca Municipal me despertou a lembrança adormecida do dia em que, quase 20 anos antes, eu estivera no palco do auditório da minha saudosa escola, em Bauru, para encenar de forma teatral um trabalho de literatura. Lembrei de mim jovem, tão tímida, vestindo uma roupa de camponesa, cabelo longo repartido em tranças, cantando “Casinha Branca” com uma colega de sala me acompanhando no violão. Aquela Mariana falava e cantava baixinho, pra dentro, sem sequer imaginar que se tornaria uma jornalista e cantora que um dia tomaria o microfone para falar com jovens de outras gerações. Mas aquela Mariana teve um montão de gente em que se espelhar, fragmentando cada pedacinho dentro do meu córtex pré-frontal sonolento e impaciente. E eu tô aqui. A adolescência é um treco fascinante.
Mariana Meira é jornalista, cantora e editora-chefe do Jornal de Jundiaí (mmeira@jj.com.br)